Existem narrativas que circulam com facilidade no debate público brasileiro, e poucas têm sido tão persistentes quanto a ideia de que regulação necessariamente sufoca a inovação. Esta ideia pré-concebida, que já virou quase clichê, muitas vezes é tratada com superficialidade, sem um olhar mais atento aos dados e pesquisas sobre o tema, que revelam uma realidade muito mais nuançada e complexa.
A regulação e a inovação coexistem em um ecossistema dinâmico, onde seus efeitos não são binários e nem previsíveis. O que diversos estudos acabam apontando é que tudo depende do modelo regulatório, forma de implementação e contexto de aplicação.
O primeiro equívoco a ser desfeito é a falsa dicotomia entre “regular” e “inovar”. Estes estudos apontam que regulações bem elaboradas podem, na verdade, estimular processos inovativos – especialmente aqueles orientados a resolver problemas sociais complexos.
As regulações ambientais são um exemplo interessante. A exigência de padrões ambientais mais rigorosos impulsionou inovações em tecnologias limpas, criando inclusive novos mercados. Este fenômeno, conhecido como “Hipótese de Porter”, encontra respaldo crescente na literatura especializada.
Já um estudo conduzido pelo Comissão Europeia em 2014 mostra que regulações mais flexíveis, no sentido de oferecer vários caminhos para a conformidade, tendem a estimular a inovação ao invés de coibi-la. Ao estabelecer metas de desempenho sem prescrever soluções técnicas específicas, os reguladores criam incentivos para que empresas desenvolvam abordagens criativas para cumprir requisitos.
Além disso, marcos regulatórios claros reduzem incertezas. Para setores emergentes, a ausência de regras pode, paradoxalmente, inibir investimentos, pelo temor de que as iniciativas possam ser posteriormente proibidas ou que gerem responsabilidades legais imprevisíveis.
A padronização que acompanha muitas estruturas regulatórias também pode expandir mercados ao garantir interoperabilidade e estabelecer confiança entre consumidores. Na Europa, a criação de padrões para tecnologias como GSM em telefonia móvel facilitou a formação de mercados consistentes e a adoção em larga escala.
Naturalmente, existem também amplas evidências dos efeitos negativos da regulação excessiva ou mal concebida. Estudos utilizando dados administrativos franceses revelaram que regulações trabalhistas contingentes ao tamanho das empresas criaram “limiares regulatórios” que as organizações evitam ultrapassar, resultando em redução de aproximadamente 5,4% na inovação agregada.
Regulações excessivamente prescritivas ou rígidas frequentemente sufocam a atividade inovadora ao limitar o leque de soluções possíveis e impor custos de conformidade que drenam recursos de atividades de P&D. No setor de biotecnologia europeu, por exemplo, a aplicação demasiado cautelosa do princípio da precaução resultou em constrangimentos à inovação.
O que estes insights significam para o debate sobre o futuro do Marco Legal da Inteligência Artificial brasileiro? Primeiramente, evidenciam que a questão não é “se” devemos regular, mas “como”.
Para maximizar os benefícios da IA minimizando seus riscos, o Brasil precisa de uma abordagem que balanceie a proteção da sociedade com o espaço para inovação. Regulações baseadas em princípios e resultados, em vez de prescrições tecnológicas específicas, permitem que o setor inove enquanto atende a objetivos de segurança e ética.
Uma contribuição valiosa ao debate vem do economista Joshua Gans, que propõe um framework regulatório baseado em como aprendemos sobre os danos potenciais da IA. Seu modelo distingue dois modos fundamentais de aprendizagem: “aprendizagem por experimentação” (onde o conhecimento vem da adoção real) e “aprendizagem laboratorial” (onde riscos são identificados em ambientes controlados).
O insight central de Gans é que, quando a aprendizagem requer experimentação no mundo real, pode ser socialmente preferível acelerar a adoção de IA para identificar riscos mais rapidamente – especialmente se a adoção for reversível. Isso contrasta com a visão de que a precaução sempre exige atraso na adoção.
Seu modelo também valoriza investimentos em mitigação de danos e diversificação de trajetórias de pesquisa, garantindo alternativas viáveis caso certas arquiteturas de IA apresentem riscos inaceitáveis. Para o Brasil, essa perspectiva sugere um caminho regulatório adaptativo, onde diferentes aplicações de IA recebem tratamentos distintos com base na reversibilidade de sua adoção e no método mais eficaz para identificar seus riscos específicos.
Outro ponto relevante são os mecanismos já previstos no PL 2338, como os sandboxes regulatórios. Essas ferramentas precisam ser vistas como essenciais para o sucesso de nossa regulação e a prioridade deve ser em assegurar que este mecanismo possa ser aproveitado assim que a legislação entrar em vigor.
Para o Brasil, que busca posicionamento estratégico na economia digital global e possui conhecidos problemas de insegurança jurídica, equilibrar a regulação com inovação não é apenas desejável – é imperativo. O desafio do momento não é escolher entre regular ou inovar, mas elaborar um marco regulatório que transforme a IA em uma força genuinamente positiva para o desenvolvimento nacional.