Especialistas defenderam, nesta terça-feira, 16, que o projeto de lei que regulamenta e estabelece o Marco da Inteligência Artificial (IA) no Brasil (PL 2338/2023) precisa de maior flexibilidade, instrumentos que garantam a soberania tecnológica brasileira e que assegurem a autonomia das agências do setor, como a ANPD e a Anatel. A audiência pública ocorreu na Comissão Especial de Inteligência Artificial.
O diretor de Infraestrutura de Dados Públicos do Ministério da Gestão e (MGI), Renan Gaya, pontuou que o Marco da IA deve ter um olhar direcionado ao uso da tecnologia em prefeituras de pequenas cidades, uma vez que 92% das prefeituras de municípios de até 10 mil habitantes oferecem serviços digitais, porém 31% somente seguem a LGPD.
“O PL já prevê flexibilização de regras para startups e pequenas empresas, mas entendemos que prefeituras de menor porte também deveriam ter algum grau de flexibilização”, afirmou. Segundo Gaya, 42 órgãos do governo federal já utilizam IA e o Gov.br contabiliza 170 milhões de usuários.
Gestão de dados e agências setoriais
Garantias de soberania na gestão de dados foi um ponto defendido pelo presidente do Serpro, Alexandre Gonçalves de Amorim.
Para ele, o PL precisa reforçar a participação do órgão e do Dataprev no sistema nacional de IA, como um dos artifícios de garantia da soberania. “O Brasil conta com empresas públicas de suma importância nesse modelo de discussão da soberania nacional, o Serpro e a Dataprev. Seria prudente que essas empresas, capazes de operar complexos sistemas brasileiros com soberania, controle, pudessem participar dentro desse modelo que coordenará o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial, o SIA.”
Nos bastidores, há uma certa disputa pela gestão da política pública e a Anatel é o principal ator a defender a própria competência e capacidade técnica para regular a IA no Brasil.
Pelo projeto, a ANPD vai concentrar a regulação da IA, sendo a entidade centralizadora do SIA, que reúne as agências regulatórias de todos os setores produtivos que usariam a tecnologia, desde a energia elétrica até a aviação civil.
“Se os dados são o grande material para a inteligência artificial, e em alguns modelos se diz que os dados são o novo petróleo, então o Serpro está sentado na maior jazida de hoje em dia. E só vou descansar quando o Serpro for maior que a Petrobras. Quando o Serpro passar a Petrobras, a sociedade terá condições de entender a importância que a tecnologia e a inteligência de governo possibilitam na formatação das políticas públicas”, analisou Amorim.
Serpro e o avanço em IA
Ele destacou que a empresa pública avançou em soluções de IA, como o desenvolvimento da própria LLM (Large Language Model), treinada em data centers do Serpro para garantir que todas as informações processadas fiquem restritas ao ambiente de governo. Ele adiantou que o próximo passo é firmar parcerias para “viabilizar a inteligência artificial generativa soberana treinada na semântica da língua portuguesa”.
“Vamos publicar um edital de credenciamento de parceria ainda esse mês, garantindo aspectos regionais e com possibilidade de geração de novos modelos especializados em contexto de negócios de governo”, antecipou Amorim.
Funções das agências
A pesquisadora da PUC-SP, Dora Kaufman, destacou que o texto não deixa claro o protagonismo das agências setoriais em seus setores de regulação. Ela aponta que a ausência desse detalhamento pode gerar conflitos com a ANPD, por exemplo.
“Protagonismo significa soberania de decisão. As agências devem ter a palavra final em suas áreas”, defendeu ela.
O relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), disse ser contra o acúmulo de funções nas agências, mas avaliou que é importante designar uma autoridade que centralize o acompanhamento da IA. “Não acredito em governança sem ter quem mande. A articulação entre agências reguladoras e a autoridade central é crucial para o sucesso da nova lei.”
O conselheiro da Anatel, Alexandre Freire, destacou o Sistema de Regulação da IA “em que se evita a sobreposição de autoridade e competências para disciplinar o tema”.
Infraestrutura
O secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Hermano Barros Tercius, por sua vez, pontuou que o Marco da IA também contemple a expansão da conectividade.
“Se não tivermos capilaridade de rede em todo o país, o risco é que essa tecnologia aumente ainda mais nossas desigualdades regionais”, analisou ele.
Audiência na Câmara debateu Sistemas de IA, IA no serviço público e em infraestruturas críticas Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados