Quem circulou pelos estandes dos grandes fabricantes de infraestrutura de telecomunicações no Mobile World Congress (MWC 2023) deste ano não teve dúvidas: o mercado de redes privativas móveis está na ordem do dia. Não é para menos, afinal, representa uma expansão significativa na carteira de clientes de fabricantes e operadoras, sendo também um caminho para rentabilizar as redes 5G. Entretanto, o tema ganhou pouco espaço na agenda de painéis do evento. E a única sessão dedicada ao assunto trazia como título a pergunta: “As redes privativas são um hype?”. Vale dizer que a maioria dos debatedores no painel e a própria plateia na sessão concordaram que não se trata de um hype. Pelo contrário, as redes privativas móveis são uma realidade e vão movimentar bastante o mercado de telecom.

A questão talvez seja: quem vai liderar esse mercado? Hoje isso está completamente em aberto. De um lado estão as operadoras móveis, que investiram pesado no 5G, têm controle sobre uma parcela significativa do espectro, e possuem longa experiência na implementação e no gerenciamento de redes. Do outro, estão integradores de TI e telecom, que podem liderar projetos tanto em parceria com as operadoras quanto sem elas, no caso dos países onde os órgãos reguladores liberaram faixas de frequência para redes privativas, como EUA, Alemanha, Japão e, sim, Brasil. E no meio do caminho estão os fabricantes de infraestrutura. Seus equipamentos são essenciais para qualquer projeto, tanto aqueles liderados pelas teles quanto os de integradores.

Para os fabricantes, as redes privativas representam uma oportunidade de expandirem sua carteira de clientes, reduzindo sua dependência das operadoras. Entretanto, nenhum deles quer jogar fora a relação de décadas e contratos bilionários com as teles, o que provoca uma certa cautela ao falar sobre o modelo de negócios por trás das redes privativas. Mas bastava circular pelos seus estandes na feira para ver que o tema estava lá, ainda que com nomes diferentes, como”5G para negócios”.

Dentre os grandes fabricantes, a Nokia é provavelmente a mais engajada na promoção de redes privativas. A própria transformação da sua logomarca, anunciada durante a feira, teve entre as suas motivações virar a página em sua história, deixando para trás o passado como marca voltada para o consumidor final e assumindo agora uma nova roupagem de fornecedora de tecnologia para o mercado corporativo. Seu CEO, Pekka Lundmark, informou que o setor de empresas foi um dos que mais cresceu em sua operação em 2022 e está ganhando importância rapidamente dentro da Nokia.

Outra entusiasta das redes privativas móveis é a chinesa Baicells. No MWC ela apresentou várias novas small cells 5G standalone e 4G, inclusive algumas voltadas especificamente para redes privativas móveis, operando nas frequências disponíveis no Brasil, como 3,7 GHz e 2,3 GHz, e dentro dos limites de potência impostos pela Anatel para essas redes. A maioria dos seus novos equipamentos deve chegar ao Brasil no segundo e no terceiro trimestres deste ano, vendidos pela Telesys.

As operadoras, por sua vez, aguardam a adoção da funcionalidade de fatiamento de rede (network slicing) para conseguirem oferecer redes privativas móveis como um produto de prateleira. Os projetos com os quais se envolveram até o momento são, em sua maioria, vendidos para grandes empresas dos setores de petróleo, energia e mineração, e costumam estar localizados em áreas remotas. O network slicing depende de redes 5G no padrão standalone, ainda disponível em poucos países no mundo. Isso explicaria a timidez das teles em tratar do tema no MWC: é melhor esperar terem em mãos o network slicing para entrarem de cabeça nesse jogo.

Integradores e provedores de computação em nuvem (hyperscalers) são os mais empolgados com o tema. A AWS é um deles. Seu diretor Sameer Vuyyuru relatou que a AWS participou da implementação de mais de 200 redes privativas móveis até agora. Muitas delas estão em escolas e universidades nos EUA. 

A NTT também está entusiasmada com o potencial. Ela aponta o setor industrial como o principal demandante por redes privativas neste momento. “As fábricas querem remover cabos e fios para ter mais flexibilidade na linha de produção. Os cabos são um problema”, disse Shahid Ahmed, vice-presidente executivo de new ventures e inovação da NTT. Ele argumentou que o Wi-Fi nem sempre serve para essa finalidade, porque se a fábrica for muito grande são necessários muitos pontos de acesso. Além disso, o handover no Wi-Fi não funciona tão bem quanto em uma rede móvel, o que prejudica, por exemplo, a movimentação de veículos guiados automaticamente (AVGs) em grandes armazéns.

E mesmo tradicionais fabricantes de equipamentos Wi-Fi, como Cisco e HPE, não querem ficar de fora. Eles reconhecem que a rede móvel é melhor para cobertura em áreas externas e pregam a adoção de redes privativas híbridas, que combinem as duas tecnologias.

“Fizemos PoCs para validar a proposta de valor e concluímos que há muita demanda (para redes privativas). Mas para se tornar um mercado de massa precisa ser barato, fácil de operar e ser combinado com o Wi-Fi. Não é uma questão de escolher entre uma tecnologia ou outra, mas combinar as duas. E se trata de um mercado em que clientes preferem serviços gerenciados, incluindo preço baseado em consumo”, disse Luke McDonald, vice-presidente e gerente geral para Américas da HPE, em conversa com Mobile Time. A HPE adquiriu recentemente a Athonet, uma empresa italiana especializada em redes privativas móveis, em uma demonstração do seu interesse por esse mercado.

A Cisco quer prover soluções na nuvem para a virtualização de redes 5G privativas, e enxerga potencial especialmente em projetos de cobertura outdoor, enquanto para ambientes internos continua entendendo que o Wi-Fi é a melhor opção, por conta de custo, facilidade de implementação e melhora da performance com a chegada do Wi-Fi 6E e a disponibilidade do espectro de 6 GHz para essa faixa, comentou o diretor geral da Cisco no Brasil, Ricardo Mucci, também em conversa com Mobile Time durante o Mobile World Congress.

Há milhões de empresas no mundo que são potenciais clientes de redes privativas móveis. O mercado é tão grande que, a rigor, há espaço para teles, integradores, fabricantes e hyperscalers desempenharem papéis importantes, combinando suas expertises. Pelo apetite apresentado, a tendência é que surjam portanto cada vez mais implementações de redes privativas móveis nas mais diversas verticais, com variados modelos de negócios, com e sem a participação das operadoras.

MPN Fórum

Mobile Time organiza no Brasil o MPN Forum, primeiro seminário dedicado exclusivamente ao mercado de redes privativas móveis. Em suas duas primeiras edições, realizadas em 2022, foram apresentados cases de redes privativas de Petrobras, Neoenergia, Grupo São Martinho, Rede Globo,  governo da Bahia, Hospital das Clínicas, dentre outros. A terceira edição do MPN Forum acontecerá no dia 12 de julho, no WTC, em São Paulo. Para mais informações, acesse www.mpnforum.com.br