Por cerca de seis anos, o Brasil viveu o milagre da multiplicação dos SIMcards. No período entre 2009 e 2015, a base total de linhas móveis em serviço no País saltou de 174 milhões para 281 milhões, superando a população brasileira, hoje composta por cerca de 200 milhões de pessoas. A explicação era simples: devido ao alto custo da tarifa de interconexão entre redes móveis, as operadoras criaram promoções para as chamadas realizadas dentro de suas redes, o que estimulou os usuários a terem dois, três ou mesmo quatro SIMcards, um de cada operadora. A tendência foi apoiada pelos fabricantes de handsets, com o lançamento de modelos com entradas para dois ou mais SIMcards. E logo surgiram apps que ajudam na identificação da operadora de cada número discado.

O auge foi atingido em maio de 2015, com 284 milhões de linhas em serviço. O crescimento vertiginoso da base brasileira até aquele ponto, junto com a rápida migração para smartphones, atraiu a atenção de investidores estrangeiros para o País. Muitos enxergaram o Brasil como sendo uma nova China da indústria móvel, com a vantagem de ser uma democracia e ter o câmbio flutuante. Houve um boom de start-ups, muitas delas recebendo aportes de fundos estrangeiros, vide Easy Taxi, 99Taxis, Nubank, dentre outros.

O problema é que a base real de usuários de telefonia celular no País era muito menor. O último número oficial do IBGE se refere a 2014 e indicava que seriam 137 milhões. Ou seja: cerca de metade da base móvel no Brasil seria composta de linhas extras. A base brasileira era uma bolha e iria estourar em algum momento.

O milagre da multiplicação dos SIMcards não poderia durar para sempre. Primeiro porque se trata de uma brincadeira cara. Para cada linha em serviço, a operadora paga uma taxa anual de funcionamento, a chamada TFF. Segundo porque a tarifa de interconexão entre redes móveis vem caindo ano a ano. Em 2012 era R$ 0,31 por minuto. Em 2015, chegou a quase a metade disso (R$ 0,16) e deve passar para R$ 0,03 em 2018. Não faz mais tanto sentido cobrar diferente pelas chamadas para dentro ou para fora da rede.

A bolha estourou junto com a recessão econômica, em 2015. Em junho do ano passado, houve pela primeira vez uma queda na base brasileira de telefonia móvel, tendência que se seguiu mês a mês até dezembro, quando houve um corte recorde de 12 milhões de linhas. No ano inteiro, a redução foi de 23 milhões. Em 31 de dezembro, o Brasil tinha 258 milhões de linhas móveis em serviço, mesmo patamar de 2012, ou seja, uma regressão de três anos no tempo. E a tendência é de que a diminuição prossiga ao longo de 2016, pois ainda há milhões de linhas extras sobrando e que são pouco utilizadas.

As próprias operadoras foram responsáveis por estourar a bolha. Se antes elas se orgulhavam dos números inflados de suas bases de usuários para impressionar os acionistas, chegou o momento de parar de se iludir e limpar a carteira de clientes. Além disso, em novembro passado, Oi e TIM decidiram criar novos planos pré-pagos nos quais igualaram o preço das chamadas on e offnet.

Mas qual é o impacto disso no mercado de conteúdo móvel? Antes de mais nada, é positivo. Campanhas para estimular a compra de serviços de valor adicionado serão mais assertivas, atingindo usuários reais, não gente com linhas fantasmas ou pouco usadas. Porém, o maior desafio nesse segmento está em enfrentar a recessão em si e o pessimismo do consumidor diante da inflação e do desemprego. Não acredito que o brasileiro vá desligar o seu telefone celular, mas será muito mais criterioso na contratação de SVAs. Ganham força serviços relacionados a produtividade e educação, perdem aqueles mais supérfluos. Será necessária maior criatividade também nos modelos de negócios e melhora na comunicação para informar os benefícios dos serviços. Além disso, conforme cai a ARPU e a recarga, por conta da crise econômica, prevejo tempos mais difíceis nas negociações entre provedores de conteúdo e operadoras para a definição dos percentuais de revenue share. Se as operadoras forem inflexíveis ou gananciosas, correm o risco de empurrar seus aliados de hoje para o mundo das OTTs.

Quanto aos investidores estrangeiros, não é o momento de se retrair. O Brasil pode não ser uma nova China da mobilidade, mas ainda é um mercado gigantesco e cuja migração para smartphone promete continuar. E com o dólar a R$ 4, nunca esteve tão barato para os gringos investirem aqui.