Ninguém duvida que o Pix, serviço de pagamentos instantâneos criado pelo Banco Central, vai se tornar o principal meio para transferências interbancárias, pelo fato de ser mais fácil, mais barato e mais rápido que TEDs e DOCs. Mas seu impacto no setor financeiro e de pagamentos do Brasil vai muito além disso: o Pix pode reduzir a circulação de dinheiro em espécie; contribuir para a bancarização do brasileiro; diminuir o uso de cartão de débito; e fomentar o crescimento do comércio eletrônico. A velocidade com que isso vai acontecer depende, logicamente, da adesão do Pix pela população e pelo varejo, o que, por sua vez, depende, em grande medida, da entrada das redes adquirência nesse jogo. Mobile Time conversou com diversas fontes do setor para entender qual será a estratégia das empresas que controlam as maquininhas de POS.

Antes de mais nada, é preciso lembrar que o Pix prescinde de redes de adquirência. Ou seja, não é necessário uma maquininha para enviar ou receber um pagamento instantâneo. A transação acontece diretamente entre os bancos onde estão domiciliadas as contas, passando antes por uma plataforma de liquidação do Banco Central. Isso não quer dizer que as maquininhas não possam ser utilizadas. Aquelas que têm um visor maior podem exibir o QR code de pagamento do Pix, facilitando a experiência de compra.

As redes de adquirência possuem atributos valiosos que podem ajudar a popularizar rapidamente os pagamentos instantâneos. O primeiro deles é o seu extenso parque de terminais: são mais de 11 milhões de máquinas de POS espalhadas pelo Brasil e conectadas à Internet. Da noite para o dia, com uma atualização de software feita remotamente, esses milhões de terminais podem ser adaptados para aceitar o Pix como uma nova forma de pagamento.

O segundo atributo é cultural: tanto lojistas quanto consumidores sabem operar as maquininhas. O Pix aparecerá na tela como mais uma opção de pagamento, ao lado de crédito e débito. O funcionário na frente do caixa vai passar a perguntar: “crédito, débito ou Pix?” Se a escolha for pelo pagamento instantâneo, a maquininha vai exibir o QR code do Pix na tela para ser escaneado pela câmera do smartphone do consumidor usando o app do banco ou da carteira digital que preferir.

Carlos Netto, da Matera: “As maquininhas não são inimigas do Pix”

“Eu acho que as adquirentes estão bem posicionadas para o Pix, mas não sei se todas vão explorar essa oportunidade. As maquininhas não são inimigas do Pix”, resume o presidente da Matera, Carlos Netto, executivo que participou desde o começo do desenvolvimento do sistema de pagamentos instantâneos dentro do Fórum Pix, mantido pelo Banco Central.

As redes de adquirência com as quais Mobile Time conversou afirmam que vão entrar nesse jogo e atualizar seu parque de máquinas de POS para a aceitação do Pix: Cielo, Getnet, Mercado Pago, Rede e Stone. Algumas prometem ter 100% das máquinas atualizadas remotamente já no dia 16 de novembro. E aquelas que oferecem um QR code próprio para pagamentos tendem a unificá-lo com o QR code do Pix – é o que está fazendo o Mercado Pago, por exemplo.

A Getnet atuará como um canal facilitador para a transacionalidade com o PIX. Nós passaremos a exibir o QR Code nas nossas máquinas para que o pagamento seja realizado de forma prática e segura”, diz o CEO da Getnet, Pedro Coutinho, em entrevista por email para Mobile Time.

“Muitas pessoas acham que o Pix vai ser um problema para a Cielo. Eu não tenho a mínima preocupação porque a gente agrega valor”, afirmou Paulo Caffarelli, CEO da Cielo, durante a coletiva de resultados financeiros da empresa na semana passada.

“A Rede vai participar como protagonista nessa transformação (do Pix)”, garante Rodrigo Carneiro, diretor da Rede, em conversa com Mobile Time.

“Acreditamos que o Pix será uma maneira de consolidar a relação que já temos com nossos clientes porque, além de ofertar Pix pela conta Stone, vamos ofertar o sistema de pagamento instantâneo pelo POS, ou seja, pelas maquininhas dos lojistas”, explica Breno Maximiano, head de banking da Stone, em entrevista por email para este noticiário.

Modelo de negócios, segurança, conciliação e outros serviços

O que não está definido ainda é como será o modelo de negócios das redes de adquirência no Pix. Aquelas que oferecem contas digitais para os estabelecimentos comerciais poderão cobrar uma tarifa para recebimento por Pix por empresas ou em transações comerciais. Nenhuma divulgou ainda o valor, mas tudo indica que será um percentual mais baixo que aquele cobrado hoje para o pagamento com cartão de débito, porque não haverá a necessidade de remunerar um banco emissor e a bandeira do cartão. [Atualização em 9 de novembro: Cabe lembrar que o Pix é gratuito para quem paga e para o recebimento por pessoas físicas (até o limite de 30 transações recebidas por mês). Além disso, o uso do QR code dinâmico é considerado pelo Banco Central como um uso comercial para recebimento do Pix e, portanto, as transações recebidas desta maneira também podem ser cobradas.]

Como mencionado acima, os lojistas não precisam necessariamente das máquinas de POS para receberem por Pix. Podem usar outros meios para exibir o QR code, como a impressão em papel, ou a exibição no monitor na frente do caixa, ou na tela de um smartphone com o app do seu banco. Se o lojista prefere gerenciar seu dinheiro na conta de um banco em vez da conta digital de uma rede de adquirência, por que pagar a taxa que esta última provavelmente cobrará para receber pagamentos instantâneos? Além do fator cultural citado anteriormente, a resposta está na oferta de serviços de valor agregado pelas redes de adquirência.

Um deles é a segurança. O uso da rede de adquirência previne fraudes. Um dos riscos de se imprimir QR codes estáticos para pagamento instantâneo é um golpe chamado de “QR code swap”, quando o código original é substituído por outro, do golpista. Com QR code dinâmico na tela da máquina de POS não existe esse perigo. “E na maquininha não tem vírus. Isso confere mais segurança. É um ambiente fechado e protegido”, argumenta Netto, da Matera.

Beto Barata_Presidência

Paulo Caffarelli, da Cielo: “Somos uma empresa além das maquininhas.”

Além disso, as redes de adquirência podem ajudar os lojistas na conciliação de pagamentos por Pix, o que é de grande valia principalmente para os estabelecimentos de pequeno porte, com a substituição de pagamentos em dinheiro por Pix.

“Com um melhor conhecimento do fluxo financeiro do lojista, tendo uma visão mais clara do volume transacionado, podemos oferecer outros serviços, como conciliação e até créditos de curto prazo, a partir de parcerias. O Pix é um habilitador gigante para a indústria”, afirma Carneiro, da Rede.

A Stone terá a mesma estratégia: “vamos começar a oferecer outros serviços agregados, que nos darão outras receitas e mais independência de escolha aos clientes”, diz Maximiliano. E a Cielo também: “Somos uma empresa além das maquininhas. Entendemos nossos clientes e estamos ajudando nossos clientes em sua jornada”, argumenta Caffarelli.

Impacto no cartão de débito

Diversas das fontes entrevistadas concordam que, no médio prazo, o Pix tende a canibalizar o cartão de débito. Em 2019, de acordo com dados da Abecs, foram feitos R$ 664,4 bilhões de pagamentos em cartões de débito no Brasil. Isso correspondeu a aproximadamente 26% do total de pagamentos com cartão no País. Aos poucos, o Pix deverá abocanhar parte desse montante, pois a tendência é de que os lojistas estimulem seu uso no lugar do cartão de débito, em razão do custo mais baixo por transação.

Rodrigo Furiato, do Mercado Pago: “O cliente vai escolher se quer tirar o cartão do bolso ou mirar a câmera do celular”

Do lado do consumidor, a troca do cartão de débito pelo Pix vai depender de qual deles oferecerá a melhor experiência. Neste ponto, o papel das redes de adquirência é crucial. Para o sucesso do Pix, é importante que sua opção de pagamento não esteja escondida dentro do menu das maquininhas, mas que apareça com destaque na interface. “O cliente vai escolher se quer tirar o cartão do bolso ou mirar a câmera do celular”, resume Rodrigo Furiato, diretor do Mercado Pago.

“Se a experiência de uso do Pix for superior àquela do cartão de débito, o Pix terá mais espaço. Se for inferior, vai ter menos. O que o lojista nos fala é que quer vender. E eu preciso, como prestador de serviço para o lojista, garantir que ele venda da forma que o cliente final quiser”, explica Carneiro, da Rede.

Pedro Coutinho, da Getnet: “O débito terá seu espaço desde que a experiência do consumidor seja boa, como tem mostrado o pagamento por aproximação” (Foto: Claudio Belli)

Coutinho, CEO da Getnet, pondera que haverá espaço para todos os meios de pagamento, mas concorda com a importância da experiência: “Não estamos vivendo num segmento que permite exclusões, ou seja, no mundo do ‘ou’, que determina ou a máquina de cartão ou o e-commerce, ou o pagamento instantâneo, ou TED bancária ou o Pix. Estamos num cenário que respira o ‘e’, onde tudo se complementa, onde há espaço para todos os tipos de tecnologia, tipos de públicos e consumidores”. E conclui: “As transações com cartão físico trazem uma série de conveniências e o usuário poderá optar pela modalidade mais adequada para ele. Já o débito terá seu espaço desde que a experiência do consumidor seja boa, como tem mostrado o pagamento por aproximação, bastante difundido no Brasil, principalmente na pandemia.”

Para o comércio eletrônico, o Pix tem potencial para desempenhar um papel que o cartão de débito nunca conseguiu exercer de maneira satisfatória. Atualmente, as compras com débito representam uma parcela muito pequena do e-commerce, porque o procedimento é pouco amistoso, além de haver risco maior de fraude, o que inibe a adoção pelos varejistas na web. A tendência é de que o Pix atraia para as compras online muitos consumidores que possuem contas digitais de pagamento mas que nunca haviam experimentado o e-commerce por não terem cartão de crédito.

Impacto na circulação de papel moeda

De acordo com o Banco Central, havia em 27 de outubro R$ 286,5 bilhões de dinheiro em espécie em circulação no País, montante que cresceu bastante durante a pandemia. Para efeito de comparação, em outubro de 2019 a média diária foi de R$ 201 bilhões em circulação.

Rodrigo Carneiro, da Rede: “O Pix vai ocupar um espaço importante das transações em dinheiro, que hoje geram ineficiência e custo social gigantescos.”

No longo prazo, o Pix deve provocar uma redução na circulação de dinheiro em espécie. Isso acontecerá pela crescente inclusão digital financeira do brasileiro, que, aliás, foi impulsionada este ano pela distribuição do auxílio emergencial, que gerou a abertura de mais de 100 milhões de poupanças sociais digitais pela Caixa Econômica Federal. Segundo estudo feito pela Mastercard, o número de desbancarizados no Brasil caiu 73% este ano, baixando de 49 milhões para 13 milhões. São pessoas que agora possuem uma conta digital para realizar transações eletrônicas e que, possivelmente, poderão substituir o dinheiro pelo Pix para seus pagamentos do dia a dia, em razão da segurança.

“O Pix vai ocupar um espaço importante das transações em dinheiro, que hoje geram ineficiência e custo social gigantescos. Dinheiro só é mais eficiente que escambo”, compara Carneiro, da Rede.

Coutinho, da Getnet, lembra do alto custo para a circulação, armazenamento e distribuição de papel moeda, além dos problemas relacionados a corrupção e lavagem de dinheiro. “O PIX certamente vai ajustar todos esses pontos”, prevê.

Guerra das contas digitais

Se por um lado as redes de adquirência devem perder receita com a redução de transações por cartão de débito decorrente do Pix, por outro podem ganhar com os pagamentos instantâneos que forem feitos para as suas contas digitais. E o volume transacionado pelo Pix tende a ser muito maior que o de cartões de débito, por conta da bancarização dos brasileiros e da substituição do dinheiro em espécie.

Assim, depois da chamada “guerra das maquininhas”, pode começar uma guerra das contas digitais, para conquistar clientes e assegurar que eles vão associá-las ao Pix. Nesse embate, as redes de adquirência não competem apenas entre si, mas com bancos tradicionais, bancos digitais, fintechs e carteiras digitais. Várias campanhas de mídia de massa estão sendo veiculadas há algumas semanas incentivando o cadastro das chaves de endereçamento do Pix. Até a última segunda-feira, 5, quando o serviço de pagamento instantâneo entrou em sua primeira fase de operação restrita, mais de 25 milhões de pessoas e de 1 milhão de empresas haviam cadastrado 60 milhões de chaves, entre CPFs, CNPJs, números celulares, emails e chaves aleatórias. Para conquistar os consumidores no Pix, algumas instituições oferecem premiações e sorteios. Outras apostam em melhorar a rentabilidade de seus serviços, vide o PicPay, que aumentou o rendimento da sua carteira para 210% do CDI.

“O Pix é uma extensão da conta. É preciso criar valor para o cliente concentrar o relacionamento com você (instituição financeira). Senão vira apenas uma guerra de preço, o que não é saudável para ninguém”, conclui Furiato, do Mercado Pago.

(Colaboração: Isabel Butcher)