Após pouco mais de um ano de operação, a BibliON (Android, iOS), biblioteca digital criada pelo governo do estado de São Paulo, empresta diariamente mais de 1 mil ebooks. Esse número já supera aquele de tradicionais bibliotecas públicas físicas, como as duas mantidas pelo governo paulista: a Biblioteca de São Paulo e a Biblioteca Parque Villa-Lobos emprestaram em média, entre janeiro e setembro deste ano, 290 e 420 livros por dia, respectivamente. Esses dados incluem também livros lidos dentro das bibliotecas.

“Fizemos uma projeção ousada na época, por falta de benchmark no Brasil. Mesmo assim os números nos surpreenderam positivamente nessa primeira fase”, comenta o diretor executivo da SP Leituras, Pierre André Ruprecht, em conversa com Mobile Time. 

O executivo faz questão, porém, de afastar a ideia de competição entre os modelos de biblioteca física e digital, ressaltando o caráter de complementariedade entre os dois. “A biblioteca digital não substitui a física, porque biblioteca não é só livro, mas conhecimento. Biblioteca, mundo afora, é a comunidade que ela serve, é um ponto de encontro e de construção de conhecimento. Essa complementariedade precisa ser entendida pelo gestor público, seja o prefeito, o governador ou o presidente”, argumenta.

A BibliON é complementar às bibliotecas físicas porque atende a um público que mora longe delas ou que não tem tempo para frequentá-las. 

“Mais da metade dos municípios de São Paulo não têm livraria. E o número de bibliotecas está caindo. A BibliON vira uma opção para pessoas que estao longe do livro geograficamente. Isso vale até para habitantes da capital”, diz Ruprecht.

Além disso, a BibliON apoia iniciativas de clubes de livros criadas nas bibliotecas físicas: na falta de exemplares em papel de um determinado título, esses clubes usam versões digitais da Biblion, explica o executivo. E a biblioteca digital também conta sua própria programação cultural virtual, que inclui conversas com escritores, jornadas literárias com apresentação de autores, cursos de digitalização de livros etc. 

“A BibliON é um serviço digital de empréstimo de livros, mas com o sentido de biblioteca, o que significa que não é só uma prateleira de livros, mas tem uma programação cultural e promove a interação entre as pessoas, como parte de um ecossistema de leitura, em conjunto com as bibliotecas físicas públicas municipais ou comunitárias”, descreve.

Somente em agosto deste ano a Biblion recebeu 2.100 visitantes únicos, a maioria mulheres (60%). Em termos de faixa etária, seu público se concentra entre 15 e 40 anos. A autora mais lida na plataforma é Aline Bei. 

Modelo de negócios

A BibliON conta hoje com um catálogo de mais de 17 mil títulos de ebooks. Há um trabalho de curadoria na seleção do acervo, para garantir diversidade de gêneros, temas e autores.

Cabe ressaltar que o estado de São Paulo compra os ebooks de distribuidoras de livros digitais. Ou seja, o serviço é gratuito para os leitores, mas as editoras são remuneradas. Há basicamente dois modelos, um chamado ’26 check-outs’ e outro de pagamento por uso. No primeiro, é pago um determinado valor por ebook e este pode ser emprestado até 26 vezes, mas para apenas um leitor de cada vez. Depois de 26 empréstimos, a biblioteca precisa comprar de novo o ebook. Esse modelo foi importado dos EUA e o número de 26 vezes seria a quantidade média de empréstimos de um livro físico nos EUA antes de ficar desgastado a ponto de precisar ser trocado por um novo. No segundo modelo, não há limite de leitores simultâneos e a biblioteca paga ao distribuidores a cada vez que há um empréstimo. Todavia, cada plataforma pode estabelecer alguns limites por dia ou de quantidade máxima de empréstimos.

Portanto, embora seja uma biblioteca digital, o acesso ao seu acervo não é ilimitado. Isso significa que formam-se filas virtuais para pegar emprestado alguns dos livros mais procurados, tal como acontece em uma biblioteca física. Por conta disso, a BibliON estabeleceu que cada leitor pode pegar no máximo dois ebooks emprestados simultaneamente e o prazo de devolução é de 15 dias.

Desafios

A BibliON enfrenta dois desafios, aponta Ruprecht. O primeiro é o de ampliação do seu acervo. Segundo o executivo, o conceito de biblioteca digital ainda enfrenta resistência por parte das editoras: muitas não disponibilizam seus catálogos completos. 

“As editoras ainda têm uma certa desconfiança… Elas temem que uma biblioteca digital canibalize suas vendas. Mas a gente paga para ter o direito de emprestar. Além disso, muitos leitores usam a BibliON como uma espécie de trailer: entram, leem e depois compram os que gostam. Ou seja, a biblioteca digital serve para expandir o público leitor, não para canibalizá-lo”, argumenta. Em uma pesquisa com seus usuários, a BibliON identificou ainda outro comportamento interessante: gente que parou de consumir livros piratas depois que descobriu a biblioteca digital.

O segundo desafio é orçamentário. O volume de empréstimos está crescendo rapidamente, da ordem de 60% ao ano. Mas para manter esse ritmo ou até acelerá-lo será necessário garantir mais verba para a iniciativa. No primeiro ano de operação, o projeto teve um orçamento de R$ 10 milhões, o que incluiu o desenvolvimento da plataforma, a compra dos ebooks e a organização da programação cultural. Neste segundo ano, a previsão é ter cerca de R$ 6 milhões. O estado de São Paulo é o principal financiador, mas a Biblion está disposta a diversificar suas fontes de recursos, buscando patrocínios culturais, informa o executivo.

Vale lembrar que a BibliON foi o case vencedor do Prêmio Seleção Mobile Time 2023 no voto popular na categoria de impacto social.