O Brasil é um dos líderes mundiais em feminicídios e em agressões contra mulheres, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Muitas vezes o agressor é uma pessoa próxima da vítima, o que a desencoraja de prestar queixa à polícia. Na tentativa de socorrer as mulheres que apanham e não denunciam, um grupo de 28 pesquisadores da CESAR School e da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) está desenvolvendo um app capaz de identificar e alertar em tempo real casos de violência contra a mulher. O aplicativo foi batizado como Hear (Helping Everyone to Actively React) e será disponibilizado gratuitamente para o público no fim de fevereiro para Android, na Google Play.

Tela de abertura do app

O Hear usa o microfone do smartphone para captar o que é falado por perto. Com o uso de inteligência artificial, o app analisa palavras-chave e o tom das vozes para identificar uma agressão. Parte do processamento acontece localmente, no próprio celular da usuária, e parte na nuvem, em servidores mantidos pelo projeto. Para o treinamento do algoritmo foram usados diversos vídeos de agressões e de não agressões.

“Um dos grandes desafios da pesquisa é fazer a análise do sentimento através da voz. Precisamos interpretar essa voz e identificar alguns parâmetros para saber se está havendo uma agressão ou não”, explica a coordenadora do projeto, a professora Ana Paula Furtado, da CESAR School e do departamento de computação da UFRPE.

“Montamos uma base de vídeos para treinar e validar o algoritmo. São vídeos de agressões e outros que não contêm agressões. Levamos seis meses para montar isso. Usamos como fonte Globo, Netflix, Youtube, Net Now e alguns áudios de agressão que são públicos”, acrescentou. Conforme o app for usado e treinado em situações reais, mais preciso ficará o algoritmo na identificação de agressões.

Pesquisadores do projeto Hear, da CESAR School e UFRPE

Portal e rede de apoio

Junto com o desenvolvimento do app, será construída uma rede de apoio de mulheres dispostas a ajudar as vítimas. Sempre que a solução identificar uma agressão, um alerta será enviado para mulheres dessa rede que estiverem próximas à vítima. A proposta é justamente que a vítima não precise pegar o celular e ligar para ninguém. O alerta será automático.

Será construído também um portal com informações sobre o projeto, incluindo um “violentômetro”, marcando a quantidade de ocorrências captadas pelo Hear e uma mancha de calor mostrando onde elas aconteceram.

A ideia é lançar o serviço primeiramente em um estado nordestino. Há conversas em andamento com um governo estadual para uma parceria com a delegacia da mulher: o app seria instalado nos smartphones de vítimas que já estão sendo acompanhadas pela delegacia.

Outras funcionalidades

O app virá também com um botão de pânico, caso a usuária consiga e queira fazer pró-ativamente o alerta. Mas, como ressaltado anteriormente, a ideia é prescindir dele para o disparo do aviso à rede de mulheres.

Ana Paula Furtado, coordenadora do projeto, e Lincon Ademir, idealizador do app

O grupo de pesquisadores estuda uma série de outras melhorias que podem vir no futuro como, por exemplo, a possibilidade de a usuária gravar alguma palavra que sirva como senha para disparar o alerta, sem que o agressor perceba. Outra ideia é que se possa desabilitar o app temporariamente quando for assistir a algum filme ou série com cenas de violência, evitando alertas equivocados.

Furtado também prevê a expansão para outros tipos de vítimas de violência. “Não são apenas mulheres que sofrem agressões. Crianças, travestis e idosos também. Pensamos em expandir para outros contextos no futuro”, comenta.

Ideia

O projeto nasceu a partir de uma ideia do estudante de mestrado Lincon Ademir, da CESAR School, um dos pesquisadores do grupo. “A ideia surgiu a partir da minha vivência na infância. Minha mãe foi agredida. E a gente não encontrava uma solução para isso”, relata.

O Hear foi um dos cinco projetos finalistas do EU-Brazil Innovation Pitch 2019, seminário organizado pela Euraxess Brasil, Confap e Enrich in Brazil, no último dia 10 de dezembro, na Finatec, em Brasília.