Um acordo tributário histórico global pretende sacudir as finanças das multinacionais, especialmente as Big Techs: segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), 130 países, incluindo o Brasil fecharam o compromisso que inclui um imposto mínimo de pelo menos 15% sobre os lucros, que deverá ser pago aos países em que o faturamento ocorrer – em vez de ser no país em que as sedes são instaladas, como acontece agora. Segundo a OCDE, com uma taxa de ao menos 15%, o imposto mínimo global geraria cerca de US$ 150 bilhões de dólares em receitas fiscais adicionais por ano em todo o mundo.

A organização já vem discutindo há um bom tempo diretrizes para resolver problemas de erosão de base tributária e a fuga de capitais. Embora este acordo deva abarcar todas as multinacionais, as empresas de tecnologia serão as principais atingidas, uma vez que o sistema atual as favorece. Gigantes como Facebook, Google e Amazon, por exemplo, têm lucrado cada vez mais enquanto pagam alíquotas efetivas de impostos cada vez menores. Uma análise da Bloomberg Economics de maio deste ano mostrou que a alíquota média de impostos das 50 maiores empresas do mundo caiu de 35,5% em 1990, para 17,4% no ano passado. Facebook (12,2%) e Amazon (11,8%) pagaram abaixo dessa alíquota em 2020.

“As Big Techs podem estar sediadas num país e prestar serviços no mundo inteiro. Onde vai tributar? Da maneira que o sistema está, é só a empresa escolher se fixar em um lugar que seja paraíso fiscal ou que tenha baixa tributação”, explicou Rafael Pistono, advogado especialista em telecom, sócio do PDK Advogados, em conversa com o Mobile Time.

O presidente americano Joe Biden, em nota, celebrou o acordo e disse que “as multinacionais não poderão mais colocar um país contra o outro em um esforço para reduzir impostos e proteger seus lucros às custas da receita pública. Essas empresas “não poderão mais evitar o pagamento de sua parte justa, ocultando os lucros gerados nos Estados Unidos, ou em qualquer outro país, em jurisdições com impostos mais baixos”, acrescentou. A China também se uniu ao pacto. Juntos, todos os países signatários representam 90% do PIB mundial.

Big Techs

Para alguns analistas internacionais, porém, o impacto do imposto tributário único mundial seria pequeno nas gigantes techs. Segundo o jornal britânico Financial Times, estas empresas já vêm se preparando para isso há algum tempo e refizeram suas estratégias tributárias recentemente. O Google, por exemplo, já teria mantido grande parte de sua propriedade intelectual nas Bermudas e a licenciou para outras filiais do grupo. Procurado pela reportagem de Mobile Time, o Google preferiu não comentar o assunto.

Ainda como descreve o Financial Times, o mercado de ações também não deve ser alterado significativamente, uma vez que os investidores perceberam que a ameaça aos lucros com a proposta não é assustadora para que os preços das ações sejam muito mexidos.

Brasil

O Brasil poderá obter cerca de R$ 5 bilhões de arrecadação adicional por ano se a taxa global mínima de 15% começar a valer por aqui. A estimativa é do Observatório Europeu de Tributação, sediado em Paris, e com financiamento da União Européia. Entretanto, este número é enganoso, porque nós já temos uma arrecadação alta. Portanto, este acordo mundial não parece fazer muito sentido aqui, dizem especialistas.

“A tributação global vai beneficiar claramente os países exportadores de capital. E o Brasil é importador de capital”, diz Gisele Bossa, advogada tributarista, sócia da Demarest, ex-conselheira do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), mestre e doutoranda em ciências jurídicas e econômicas pela Universidade de Coimbra. “Há uma tentativa internacional para evitar a evasão de receitas, mas esta não é a realidade brasileira. Nós já temos uma oneração. A gente já tributa muito. O acordo teria relevância para países que não capturam o tanto de receitas tributáveis quando comparados ao Brasil. O grande ponto é: o Brasil é exemplo de aplicação de imposto de renda retido na fonte”, explicou. Gisele lembrou ainda que, para as Big Techs, o acordo aqui no País também não se justifica, uma vez que elas já estão sediadas no Brasil e já pagam nossos impostos.

Bianca Xavier, professora de Direito Tributário da FGV-Direito Rio, concorda e ressalta que já existe o Digital Tax, recomendação de tributação específica da OCDE só para serviços digitais, que varia de 1% a 5% da receita. “O Google, Facebook etc já pagam todos os tributos no Brasil. Então aparece o Digital Tax. E agora uma tributação mínima mundial. É preciso tomar cuidado porque existem várias possibilidades que, se somadas, serão um desestímulo às atividades digitais”, disse Xavier.

Sem contar o ISS (Imposto sobre Serviço), já existente, o Congresso Nacional discute ainda outros dois PLs (Projetos de Lei) que, se aprovados, incidirão ainda mais cargas tributárias nas empresas de tecnologia e são criticados por especialistas: a Contribuição Social sobre Serviços Digitais (CSSD) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE-Digital). “Nenhum destes PLs param em pé. Quando você fala em contribuição, tem que ter um destino específico, caso contrário há inconstitucionalidade”, apontou Bossa.

Por fim, a advogada tributarista não acredita que o acordo seja efetivamente adotado por todos os países signatários, uma vez que há uma diversidade de regimes tributários, de realidades e de interesses. “Cada país tem a soberania de tributar do jeito que quiser. Este acordo é apenas um compromisso. Se o país achar que não vale a pena, não vai aderir. E se não houver a adesão global, infelizmente, não servirá para nada”.