A sanção presidencial do Projeto de Lei de Dados Pessoais nesta terça-feira, 14, gerou alívio e um gosto de vitória para diferentes setores da sociedade. No entanto, os vetos à criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANDP) e ao Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade assim como o veto a parte das penalidades causam preocupações entre especialistas.

Para Temer, haveria um “vício de iniciativa” na criação da ANPD: a autoridade não poderia existir a partir da iniciativa do legislativo, mas do executivo. O veto já era esperado, porém nem todos concordam com ele. “Já que havia a previsão de criação dessa autoridade desde o PL 5276, que foi o Projeto de Lei enviado pela presidenta Dilma para o Congresso Nacional, em 2016, esse ‘vício de iniciativa’ da autoridade, na nossa avaliação, não existia e a lei poderia ter sido sancionada com a autoridade e com o conselho”, explica a coordenadora do Intervozes, Bia Barbosa, que faz parte da Coalizão de Direitos na Rede. Para Barbosa, a expectativa, agora, é que o texto a respeito da criação da autoridade seja enviado ao Congresso, tal como ele se encontra no PLC 53/2018, respeitando o debate feito ao longo dos anos com diferentes setores da sociedade.

Temer também vetou partes do artigo 52, que tratam das sanções administrativas de uma empresa, ou seja, as punições. Entre elas, está a suspensão parcial ou total do funcionamento do banco de dados de uma empresa que teria cometido uma infração pelo período de até seis meses, prorrogável por outros seis até a regularização da atividade de tratamento; assim como a suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais a que se refere a infração por até seis meses;  e a proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas ao tratamento de dados.

Para o diretor jurídico da Associação Brasileira de Internet das Coisas (Abinc) Márcio Cots,  depois do veto à criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, o veto mais relevante é o referente às sanções. “Existem várias formas de sanções. No meu entender, o motivo do veto é que, como essa lei se aplica a órgãos públicos, você aplicar essa sanção não seria de interesse público. Continuam outras sanções, como multas”, explica. Rafael Pellon, sócio do escritório FAS Advogados, alerta que as multas não são suficientes para impedir irregularidades: empresas que queiram agir de má fé podem simplesmente atuar do exterior, sem abrir sede no Brasil, o que dificultaria a aplicação de qualquer multa.

A sócia do Felsberg Advogados Evy Marques acredita que a lei de proteção de dados pessoais se faz necessária e veio num momento importante. “Houve uma participação ativa de agentes privados, da sociedade civil, a ponto de ela se tornar boa e similar ao que se tem em outros países. Acho que a dificuldade da criação de uma autoridade existe aqui, mas também em outros lugares. É uma questão de como será feita sua aplicação e a fiscalização, mas é também uma questão de orçamento. Existe esse mesmo problema na Europa. Está todo o mundo aprendendo.”

Deveres dos órgãos públicos

Para Renato Leite Monteiro estamos num momento de comemoração, de vitória. “Temos que celebrar porque, depois de anos de discussão, o Brasil, hoje, se une a mais de 120 países no mundo que têm leis de proteção de dados. Os vetos são preocupantes porque diminuem a carga de responsabilidade da administração pública. Mas não retiram as qualidades da lei de uma forma geral. O que tem que ser ‘consertado’ com urgência é a criação da autoridade.”

Em comunicado, a Associação Brasileira dos Agentes Digitais (Abradi) afirma que “considera a lei necessária, especialmente porque traz respeito ao consumidor e segurança jurídica para as empresas que atuam nesta área. Teremos um ambiente mais seguro com lei e as empresas precisam encarar as obrigações impostas pela lei como um investimento necessário que trará vantagem competitiva.”

A nota continua: “para o mercado de propaganda e marketing, a lei proporcionará às empresas serem ainda mais eficientes em suas estratégias comerciais. As bases de dados tenderão a diminuir, mas serão de melhor qualidade, pois serão constituídas de consumidores que escolheram dialogar com as empresas. Vamos passar por uma limpeza que será positiva para os profissionais de marketing.”

Segundo Cots, a lei traz mais segurança jurídica quanto ao que se pode ou não fazer. Traz mais privacidade, mas também “um pouco mais de burocracia e regras quanto à inovação, mas que era algo necessário dentro de uma sociedade onde temos que cuidar de vários direitos”, resume.

Dados, o novo petróleo

De acordo com Evy Marques, do Felsberg Advogados, a lei é um avanço. “Especialmente porque os modelos de negócios se baseiam em dados e isso é o presente e vai continuar cada vez mais. O dado é o novo petróleo, e, por isso, exige proteção, regras específicas para seu uso. Ele tem muito poder quando ele está agregado a outros dados. Pode ter um custo muito alto de implementação nas empresas, mas é vital ter esse tipo de custo, porque as empresas precisam proteger essas informações. É um custo que não tem como fugir”, afirma.