A Netflix (Android, iOS) acendeu o sinal amarelo nesta terça-feira, 19: pela primeira vez a empresa registrou uma redução de sua base, com queda de 200 mil assinantes no primeiro trimestre de 2022 em comparação com o quarto trimestre de 2021, passando de 221,8 milhões para 221,6 milhões em todo mundo.

Na comparação com o primeiro trimestre de 2021, a empresa aumentou em 7% a quantidade de assinantes, de 207,6 milhões para 221,6 milhões. Mas, os dados do começo de ano foram bem abaixo da estimativa da companhia, que esperava adicionar 2,5 milhões de usuários pagantes nesse período.

Como resultado, as ações caíram 25% no aftermarket (após o encerramento do pregão na Nasdaq), um recuo de US$ 348 para US$ 258 no papel.

“Se tivéssemos feito os 2,5 milhões esperados para o trimestre, seria consistente com a nossa tese. E as baixas aquisições (de assinaturas) nos trouxeram para o que está acontecendo (queda de assinantes). Como colocamos na carta, a Covid-19 trouxe muito barulho e vimos como a situação mudou. Nos acelerou em 2020 e em 2021, nós fomos para frente. Mas agora, em 2022, isso não se segurou”, diz Reed Hastings, co-CEO da Netflix.

De acordo com carta da companhia enviada aos acionistas, a queda nas assinaturas ocorreu por quatro fatores:

  1. A necessidade de penetração de Smart TVs e banda larga, adoção de entretenimento sob demanda e custo de dados em mercados em que atuam;
  2. A Netflix estima que 100 milhões de consumidores acessam contas compartilhadas da Netflix, 30 milhões desses apenas no Estados Unidos e Canadá;
  3. A competição acirrada com rivais como YouTube, Hulu, Amazon e Disney+, além da TV linear;
  4. Fatores macroeconômicos e geopolíticos, como a invasão da Ucrânia e alguns impactos complementares da crise do novo coronavírus (Sars-Cov 2).

A Netflix informou que a suspensão de seus serviços na Rússia – devido aos embargos impostos pelos Estados Unidos – fez a companhia perder 700 mil assinantes e que, sem esse choque, teria um adicional (net adds) de 500 mil assinantes.

Porém, a firma teve queda de assinantes em todas as regiões, exceto Ásia Pacífico, em um movimento causado pelo aumento dos preços e fatores da macroeconomia.

Novo dia

Agora, Hastings se mostra a favor de usar publicidade ou outras formas de promoção dentro da plataforma de streaming, assim como monetizar com as 100 milhões de casas que fazem compartilhamento de contas. Algo que o executivo não considerava como “prioridade” no passado.

Recentemente, um relatório da Cowen estimou que o segmento de senhas compartilhadas pode render anualmente US$ 1,6 bilhão para o serviço de streaming. A funcionalidade entrou em testes no começo deste ano em três países latino-americanos: Chile, Costa Rica e Peru. Nessa prova de conceito, a ideia é cobrar uma pequena quantia do consumidor – aproximadamente US$ 3 – para que ele envie sua senha para até duas pessoas.

“Temos 100 milhões de assinantes que compartilham senha hoje. Eles adoram os nossos serviços, mas precisam pagar de algum modo”, afirma Hastings. “Por mais que eu seja um fã (do modelo de assinatura ante a publicidade), eu sou um fã maior de dar a escolha ao consumidor e permitir que ele pague um preço menor e seja tolerante à publicidade para acessar o que desejar”, completa.

“Eu sei que (o resultado) é desapontador para os investidores, mas esse é o momento que nos preparamos para brilhar. É aqui que tudo importa e estamos focados no que interessa”, conclui.

Desafios

Thiago Lobão, CEO da Catarina Capital, que investe na Netflix por meio do seu Newton Fund, explica que o cenário da Netflix é “bastante desafiador” e que deve existir um “respingo importante” nas negociações da empresa de streaming na bolsa na quarta-feira, 20, mas também de seus rivais.

“O pior não é nem ser a primeira queda de usuários na década – algo que nunca tinha acontecido na história da Netflix –, mas que as perspectivas não vão melhorar no curto e médio prazo. E que a meta de uma empresa que priorizava crescimento agora é defender uma margem em um momento tão turbulento como se prevê nos próximos trimestres”, diz Lobão, ao explicar sobre a expectativa de queda de 2% em adição de usuários para o ano de 2022 no OTT.

O gestor da Catarina Capital diz ainda que a Netflix está “aprendendo na marra” que a conta não fecha quando se controla toda a cadeia de produção de conteúdo, como a empresa faz.

“A Netflix precisa fazer a conta fechar, ainda mais em um momento de crise. A companhia precisa mostrar que o negócio ‘para de pé’, mesmo com um crescimento muito mais acanhado e que esse crescimento está sendo impactado pela crise global, mas também por um ambiente competitivo muito mais agressivo”, afirma.

Vale lembrar que o executivo compartilhou em sua última carta semestral aos investidores do Newton que “o mar de rosas da Netflix acabou”, mas ainda continua um belo oceano, pois há espaço para crescimento no setor.

Pé no chão

Lobão explica ainda que as iniciativas da Netflix em novas frentes como cobrança de sharing account, publicidade e mobile games não são um modo de sobrevivência da empresa, mas uma “melhoria de rota” para manter o atual modelo que possui catálogo robusto e produção de conteúdo descentralizado, focado em diferentes públicos e mercados.

“Sem as novas frentes de cobrança a Netflix não consegue manter o mesmo passo de produção de conteúdo, descentralizado, em várias geografias e para várias personas diferentes, como faz hoje. Terão que reduzir o orçamento de suas produções e a expansão do seu catálogo. Mas vai conseguir sobreviver, porém perdendo espaço para a competição com players tradicionais que estão no universo do streaming cada vez mais fortes”, explica.

Ainda assim, das três iniciativas que a Netflix aposta – mobile games, compartilhamento de conta paga e publicidade –, o CEO da Catarina Capital acredita que não há caminho fácil de ganho de receita e usuários, como foi no passado.

No segmento de jogos móveis, o executivo lembra que “é um mercado muito competitivo”, em especial se levar em consideração as big techs Apple, Amazon, Meta e Microsoft. Lobão vê a Netflix em uma “nova esteira de conteúdo” que está “experimentando”, ainda “bem hipotético”, embora possa atrair “novos usuários e mais receita”.

O compartilhamento de conta é visto por Lobão como uma “correção de assimetria” da Netflix, que tende a resolver uma base legada, mas não acredita em uma conversão total dos 100 milhões de usuários ou que a empresa de streaming “escalará para outro patamar”, em um modelo mais sustentável.

Sobre publicidade, o executivo lembra que a Netflix tomou uma decisão no passado de ser “ad-free”, ou seja, não ter publicidade de anúncio, algo que era visto como engajador da base dos assinantes. Mas afirmou que pode ser uma realidade, uma vez que Disney+ faz potenciais anúncios (pre-roll antes do vídeo principal) e outras plataformas tradicionais de vídeo que trabalham com o modelo de venda de mídia, algo que herdaram da TV linear com mídia programática. Recorda ainda do Roku, um sistema de streaming baseado em publicidade como principal fonte de receita.

“Para uma empresa (Netflix) que tem um posicionamento muito forte separado do mercado publicitário, começar a trazer isso para dentro como um novo posicionamento pode gerar impactos de canibalização da oferta. Como a Netflix vai lidar com churn de usuários ao partir para um modelo free com ads, ao invés de ficar com suas assinaturas? Importante lembrar, a cultura comercial para a empresa de mídia é completamente diferente de uma cultura B2C feita pela Netflix até então. Há um desafio de escopo de negócio, por mais que outras ferramentas, como o Roku, já validaram que há dinheiro para publicidade com grande volume dentro do streaming global.

“A situação da Netflix não está simples para retomar uma curva de crescimento agressiva. Ainda mais no patamar que alcançaram em tamanho de mercado”, concluiu Lobão.