Com a oferta de corridas particulares diminuindo e seu preço aumentando, o brasileiro começa a procurar por alternativas de transporte. Táxi, bicicleta, moto e aluguel de carros se tornam opções para os consumidores no País, como relatam especialistas do segmento de mobilidade urbana a Mobile Time. Como apresentado nas outras duas matérias deste especial, uma pesquisa recente da Vah (Android, iOS) indicou que 42% dos brasileiros começam a olhar mais para o transporte público como alternativa de locomoção; 38%, para táxis; e 26%, para bicicletas.

No entanto, os profissionais afirmam que é preciso de melhorias no modais e na forma que as cidades os utilizam. Uma das soluções mais pedidas pelos executivos que pode combinar o exercício do poder público com as plataformas de transportes privadas é a liberação de mais licenças de táxi nas cidades brasileiras, em razão da redução de motoristas de carros particulares e o aumento da demanda de táxi, como explica Márcio Bern, CEO da Vah.

“No Brasil, as empresas de apps deram subsídios para o consumidor para ganhar tração. Isso ficou inviável. É importante ter incentivo do governo”, diz Bern. “O poder público pode dar mais condições (e liberar mais licenças de táxi). Ainda mais levando em conta a debandada de motoristas de carros particulares”, completa.

Essa tendência também foi observada por Armindo Junior, CEO da Stuo. Em sua visão, “muitas pessoas deixaram de ter carro para ir ao Uber” e agora o movimento mostra que as pessoas começam a buscar outros modais (táxi e carro próprio) com o aumento de preços e o cancelamento de corridas.

Jordana Souza, CRO da Voll (Android, iOS), também observa essa mudança e acredita que a mobilidade urbana das cidades está perto do limite: “Se olharmos para o táxi, que é um modelos regulado, as cidades não conseguem suprir com a quantidade que tem hoje. É preciso aumentar e oferecer mais licenças”, disse.

Cidades  

O CEO da Vah acredita ainda que o setor público precisa caminhar para um planejamento que entrega o Mobility as a Service (MaaS), ou seja, integrar diversos modais de transporte à estrutura das cidades de modo que o cidadão possa os utilizar da maneira que for mais cômoda: “Tem cidades na Europa que você paga a modalidade e usa em qualquer modal. No Brasil seria interessante testar isso em pequenas cidades”, sugere.

Por sua vez, Simone Ponce, vice-presidente de negócios da Eats for You, alerta que o problema da mobilidade urbana nas cidades é “menos sobre regulação e mais sobre o planejamento”. Em sua visão, isso inclui uma relação de parceria sincera entre o setor público e o privado, inclusive com troca de informações.

“Quanto mais as plataformas andarem de mãos dadas com órgãos públicos e outros meios de transportes, com foco em solução de problemas coletivos, nós seremos mais sustentáveis do ponto de vista de cidade. Portanto, o recomendado é investir mais nas comunicações para que haja integração entre plataformas privadas e transporte público”, recomenda Ponce, da Eats for You.

A executiva, que teve passagem na Uber como gerente operacional para a América Latina, aponta ainda a necessidade de empresas e governos olharem com mais carinho o tema da segurança. Jordana Souza, CRO da Voll, ressalta que o problema é mais intrínseco na gestão das cidades, em especial para mulheres.

“O hub de mobilidade precisa ter menos fricção, ser seguro, acessível e mais integrado. E precisa unir o poder pública e a iniciativa privada. Outro problema que precisa ser resolvido é o transporte para as mulheres. Os deslocamentos femininos são 3 vezes mais complicados que os masculinos”, diz Souza. A CRO da empresa de MaaS voltado para corporações lembra que, em um levantamento recente, nenhuma grande cidade brasileira tinha uma mulher à frente da secretaria de transportes. Ou seja, Souza evidencia a “falta de representatividade no setor público” de transportes de “uma secretária que passe pela dificuldade da mulher no dia a dia”. “Falta o uso diário dos transportes públicos por seus gestores”, relatou.

Outros modais

Souza, da Voll, tem visto de perto a busca de seus usuários do setor corporativos por outros modais que substituam os carros particulares e afirma que tem aumentado a busca por uso de carros próprios e alugados, mas também de plataformas mais sustentáveis, como as bicicletas, que começam a se integrar mais na rotina dos transportes nas cidades: “Acredito muito em novos modais, como a Tembici. Acredito muito na junção do público-privado. Se unir, nós teremos um transporte de melhor qualidade”, disse a CRO.

Maurício Villar, COO e cofundador da Tembici, diz que a utilização das bicicletas está “ainda em fase de retomada, devido à pandemia”. Mas a alta dos combustíveis – entre outras questões como crise financeira e fatores de espaço público, como congestionamento -, são motivos que têm levado as pessoas a “analisarem os seus hábitos e gastos mensais”.

“De acordo com a Calculadora de Trajetos da Tembici, um trajeto diário de 5 km, por exemplo, sai por mais de R$ 1.200 no mês quando feito de carro, enquanto no transporte público o gasto é em média R$ 230 e com a bike compartilhada fica entre R$ 3 e R$ 29,90, a depender da cidade e do plano escolhido”, revelou Villar.

Vale dizer, a Tembici terminou o ano de 2021 com um aumento de 40% em seu faturamento comparado com 2020, um movimento puxado pela retomada da economia e pelo aumento do uso de bicicletas em B2C e no B2B com o iFood Pedal.

“Temos a missão de transformar as cidades por meio da bicicleta. Ainda enxergamos muitas oportunidades para o modal e agora a e-bike é a grande tendência mundial e é este nosso foco no curto e médio prazo”, disse Villar, ao rechaçar a possibilidade de a empresa adotar outros veículos, como patinetes ou motos elétricas.

Por sua vez, Bern, da Vah, crê que ainda há espaço para as patinetes, mas acredita que é preciso caminhar com regulações mais claras: “As patinetes antes da pandemia tinham seis a sete empresas, mas saíram de uma hora para outra. O problema delas é a regulação nas cidades, esse é o grande entrave. Em São Paulo, a prefeitura tinha lançado um edital, mas não vingou com a pandemia. Mas acredito que tem espaço e condição para as cidades receberem esse modal”, avalia.

Motos

No que diz respeito aos entregadores de moto, por sua vez, o country manager da Borzo (Android, iOS, AppGallery), Bruno Moraes de Sá, explica que um dos principais problemas no serviço nas grandes cidades é a falta de local para estacionar, ao lado do problema do uso dos corredores por motociclistas.

“É o mesmo problema no Brasil todo. Tem cidades que o entregador precisa parar na calçada e fazer a entrega. É preciso criar estacionamento prioritário nas ruas e estacionamentos privados. Por isso é importante ter ação público-privada”, critica Moraes de Sá. “Por que não criar motovias? Primeiro, é perigoso andar nos corredores de carros. E é contra lei”, completa.

Moraes de Sá acredita ainda que o mercado está canibalizando o papel e o valor do entregador, uma vez que entram empresas estrangeiras no setor de mobilidade que subsidiam o valor dos fretes e das entregas. Para resolver isso, o executivo segue a cartilha da ABO2o e pede flexibilização da CLT. Vale lembrar que este é um tema que sindicatos e representantes de motoboys são contrários, uma vez que pode depreciar mais a profissão e seus ganhos já marginalizados.

Hoje com 75% dos pedidos feitos via moto ante carros, vans e caminhões pequenos, a Borzo continuará atuando só em delivery. O country manager descarta uma entrada em moto-táxi, como fez 99 e Uber e recentemente: “O moto-táxi tem uma legislação que não é muito clara”.

Especial de mobilidade urbana

Esta é a terceira e última parte do especial sobre o novo cenário da mobilidade urbana com a retomada gradual das atividades presenciais em 2022, produzido por Mobile Time. Nas outras duas matérias abordamos como o táxi volta a ganhar relevância nas grandes cidades e a possibilidade de racionalização das operações de corridas com carros particulares, dois movimentos atrelados à alta de combustíveis, fim dos subsídios e maturidades dessas plataformas.

Importante lembrar que na recente pesquisa de Panorama de Apps Mobile Time/Opinion Box de uso de apps no Brasil em dezembro de 2021, a Uber segue como o sexto app mais presente na tela principal do smartphone do usuário brasileiro, a mesma posição registrada na edição anterior, em junho daquele ano.