Há mais de uma década, as operadoras de telefonia celular e seus parceiros homologados para revenda de mensagens de texto a empresas (SMS A2P) lutam contra o SMS pirata. Assim é chamado os serviços de SMS que driblam os sistemas das teles para enviar mensagens de texto em massa a preços abaixo da tabela, sem contrato comercial com as operadoras. Um dos maiores atores nesse mercado no Brasil entre 2015 e 2016 foi a Like SMS, que chegou a registrar um volume de 220 milhões de mensagens de texto enviadas por mês. A empresa, sediada em Peruíbe/SP, atuava como um atacadista de SMS pirata: seus principais clientes eram revendedores do serviço para o mercado corporativo. A Like SMS não existe mais. Seu fundador, Douglas Torres, decidiu regularizar seu negócio, migrando para o mercado oficial. Hoje ele tem outra empresa, a Yup Chat, que oferece uma plataforma de comunicação omnichannel para mensageria em canais como SMS e WhatsApp, tudo devidamente regularizado. Torres conversou com Mobile Time e contou como funcionava sua operação anterior. É a primeira vez que um ex-provedor de SMS pirata concede entrevista a este noticiário sobre o tema.

Antes de passar ao seu relato, vale destacar algumas características do mercado de SMS pirata para o leitor que não está familiarizado com o assunto. Para começo de conversa, o serviço não é vendido com esse nome, mas como um serviço de disparo de SMS para empresas – o termo “SMS pirata” foi cunhado pelos atores do mercado oficial para desqualificar a concorrência irregular. Em vez de se conectarem diretamente às plataformas de SMS das operadoras, os piratas adotam artifícios diversos para conseguir enviar mensagens em massa, como o uso de chipeiras (equipamentos onde inserem dezenas de chips pré-pagos de usuários finais) ou conexões com operadoras de países distantes e com menor controle contra fraudes. Os piratas atraem os clientes pelos preços muito menores que os praticados pelas operadoras para o SMS A2P, como é chamado o serviço de SMS corporativo. No Brasil, muitos dos players piratas se aproveitaram da oferta das teles de SMS ilimitado para o consumidor final plugando esses SIMcards em chipeiras – os contratos das teles, vale destacar, não permitiam que o serviço de SMS ilimitado fosse utilizado para fins comerciais.

Além de canibalizar o mercado oficial, impactando os negócios de operadoras e seus brokers homologados, o SMS pirata não tem garantia de entrega (muitos disparos são barrados por ferramentas antifraude das teles) e serve a golpistas para o envio de mensagens com links maliciosos, como aqueles de phishing.

Para o consumidor final, uma forma de distinguir um SMS oficial de um pirata é o tamanho do número de origem: enquanto os parceiros homologados usam números curtos com cinco dígitos fornecidos pelas teles (“short codes”), os piratas utilizam números longos (“long codes”), com DDD e mais nove dígitos, como o qualquer número telefônico de pessoa física.

30 chipeiras com 1.470 SIMcards

Torres trabalhou por muitos anos em empresas com soluções de recarga de pré-pagos. Ali teve contato pela primeira vez com o disparo de SMS corporativo. Uma das companhias onde trabalhou usava um serviço de disparo para avisar o usuário final quando havia algum problema na recarga. Era um serviço pirata, mas Torres afirma que, naquela época, não suspeitava que se tratasse de uma atividade irregular, que ferisse os contratos com as operadoras. 

Ele se interessou pelo assunto e acabou montando a sua própria empresa de disparos de SMS. Sua primeira experiência foi com outro sócio, em 2014. Cerca de um ano depois, em 2015, deixou a sociedade e criou outra companhia sozinho, com a mesma finalidade de prover SMS corporativo, a Like SMS.

O próprio Torres desenvolveu o sistema em Asterisk e PHP para o disparo das mensagens. Trouxe da China equipamentos com entradas para a conexão de 49 modems 3G. Era neles que Torres inseria os chips cujas linhas eram usadas para o envio das mensagens da Like SMS. O executivo guarda até hoje em sua casa algumas dessas chipeiras (veja foto abaixo).

Like SMS; chipeira

Chipeira criada pela antiga Like SMS para disparo de mensagens em massa. Em cada modem era inserido um SIMcard pré-pago de pessoa física

“Enviava 5 mil mensagens por dia por modem. O meu sistema ficava variando o tempo de pausa entre uma mensagem e outra, para não ser pego pelas ferramentas de antifraude das operadoras. Era uma briga de gato e rato”, relata.

“Eu era tão bom no meu negócio que não tinha cliente final, mas revendedores. Eu tenho DNA de desenvolvedor. E tinha mais qualidade de entrega. Fui criando as regras e desenvolvendo (o software)”, relembra.

O negócio escalou rapidamente. A Like SMS chegou a ter 30 chipeiras operando simultaneamente, com 1.470 SIMcards, atingindo um pico de 7,35 milhões de mensagens de texto enviadas por dia. Eram usados chips pré-pagos com a oferta de SMS ilimitado. Torres admite que usou até mesmo o  CPF da própria mãe para ativar vários desses SIMcards. E revela que havia esquemas com funcionários de operadoras para conseguir a ativação de tantos chips ligados a um mesmo CPF. Cada chip durava entre dois e três meses, até ser descoberto e cancelado pela operadora. Por isso a Like SMS tinha um estoque de chips reservas pré-ativados.

Douglas Torres: “O meu sistema ficava variando o tempo de pausa entre uma mensagem e outra, para não ser pego pelas ferramentas de antifraude das operadoras. Era uma briga de gato e rato”

Questionado sobre o uso da sua plataforma para o envio de golpes por SMS, Torres lembra que desenvolveu um sistema próprio de antifraude, bloqueando tentativas de phishing que usassem os nomes de grandes empresas, inclusive das próprias operadoras. “Tivemos sistema antifraude antes mesmo das operadoras. Senão isso me prejudicaria. Qualquer palavra de grande marca acompanhada de URL não deixávamos passar”, explica.

O declínio

Porém, pouco a pouco, as ações de combate ao SMS pirata das operadoras começaram a surtir efeito, dificultando a entrega das mensagens da Like SMS. O volume diário de 5 mil SMS por chip foi caindo gradativamente. Quando chegou a 250, Torres entendeu que era hora de mudar.

Ele conta que outros players de long code ainda tentaram permanecer no mercado através de “chips liminares”: linhas móveis que podiam ser usadas com SMS ilimitado graças a decisões judiciais. Mas Torres não quis seguir esse caminho. “Falei para o pessoal: a tendência é acabar. As operadoras estão fechando o cerco”, lembra. 

Então, o executivo decidiu trocar de lado. Foi bater na porta dos brokers homologados para regularizar o seu negócio. Em apenas três meses, entre março e junho de 2017, migrou sua base de clientes para short code e desligou todas as chipeiras.

O recomeço

A Like SMS foi fechada. E Torres recomeçou o negócio com o nome de Yup Chat, agora totalmente regularizada. Desenvolveu uma plataforma omnichannel para gestão de comunicação por SMS, WhatsApp, email, RCS e outros canais. A expectativa para novembro deste ano é trafegar 330 milhões de mensagens, um crescimento significativo frente aos 245 milhões registrados um ano atrás. E a empresa começa a se expandir pela América Latina, tendo aberto recentemente um escritório no Uruguai.

Sobre o antigo mercado de SMS long code, Torres acredita que muitos dos players migraram para dentro do WhatsApp. É ali que está o problema atualmente. E alerta: se o app de mensageria aumentar demasiadamente o preço, vai estimular o mercado pirata, tal como aconteceu no SMS A2P.