A CUFA – Central Única das Favelas – optou por cancelar os testes que estava realizando há menos de duas semanas com a tecnologia de reconhecimento facial. A ideia era acelerar os cadastros das mulheres beneficiadas pelo projeto Mães da Favela, que, por meio de parcerias, distribui cestas básicas a moradoras de mais de 5 mil comunidades espalhadas em todo o País.

Em um vídeo postado no Twitter na manhã desta segunda-feira, 26, Celso Athayde, CEO da Favela Holding, da qual faz parte a CUFA, escreveu: “Reconhecimento facial. A meta da Cufa é de 2 milhões de pessoas cadastradas em 2021”. A partir daí, muitos perfis questionaram sobre o uso da tecnologia – seus propósitos, se estava em conformidade com a LGPD, se os dados seriam repassados etc, para citar alguns. Poucas horas depois, a ONG optou por cancelar o projeto.

Os testes estavam sendo feitos com a solução da unico, IDTech brasileira que desenvolveu sua própria tecnologia biométrica de reconhecimento facial. Segundo a assessoria de imprensa da CUFA, a ferramenta estava sendo usada para acelerar o processo de cadastro de milhares de pessoas, mas também serviria para deixar a prestação de contas das doações feitas por pessoas e empresas mais transparente.

Depois da polêmica causada no Twitter, a CUFA comunicou que voltará ao método antigo, ou seja, o cadastro com papel e caneta com a ajuda de fotografias e vídeos para comprovar as doações.

Em seus tuítes, a ONG declarou que está ciente da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e que não havia a possibilidade de os dados serem usados para outras finalidades ou por outras empresas.

Outra decisão tomada pela CUFA foi de fazer parcerias com empresas que aceitem as prestações de contas à moda antiga: “(A CUFA) Só fará parceria com os doadores que aceitarem as prestações de conta em forma de fotos e vídeos. Nenhum dado será solicitado a nenhum beneficiado e a transparência será garantida pela nossa palavra”, explicou na rede social.

O presidente da Central Única das Favelas, Preto Zezé, escreveu em outro tuíte: “Não somente, os dados do teste foram todos apagados. Tudo cancelado. Inclusive, gerou um bom debate sobre segurança de dados, já que muitas organizações estão colhendo dados”.

A ID Tech

A único enviou um comunicado à imprensa explicando que sua tecnologia foi desenvolvida em conformidade com a LGPD. “Ela analisa os pontos da face e gera um Score de Autenticação Biométrica, que traz a probabilidade de a pessoa ser ela mesma. A unico não compartilha nenhum dado pessoal com clientes ou outras empresas”.

“Em uma parceria com a CUFA, a unico doou a tecnologia de reconhecimento facial para a autenticação das beneficiárias do programa Mães da Favela em uma plataforma própria, cuja base de dados é apagada ao final da campanha. Dessa forma, a solução auxilia no processo de cadastramento, fazendo a validação – com autorização – das reais beneficiárias neste momento de crise de forma rápida e segura, evitando possíveis fraudes”.

E completou em sua nota informando que os dados não são compartilhados, reiterando seu comprometimento com a privacidade de dados dos brasileiros.

Mães da Favela

O projeto Mães da Favela tomou corpo no início do ano, quando o novo coronavírus começou a avançar pelo Brasil. Naquele ano, foram arrecadados cerca de R$ 187,6 milhões. Foram entregues 204.411 mil cestas e distribuídos mais de R$ 4 milhões de Vales Mães no valor de R$ 100 para cada uma das 33.952 mulheres beneficiadas. Deste o início de 2021, a mobilização está em R$ 28,6 milhões.

Análise

A preocupação da sociedade com o uso do reconhecimento facial é legítima. Qualquer tecnologia disruptiva, se mal utilizada, pode provocar impactos negativos. Porém, é preciso entender também que seu uso, se feito de forma adequada e em conformidade com a lei, traz importantes benefícios no processo de transformação digital que vivemos. O reconhecimento facial pode substituir senhas de autenticação e reduzir fraudes, por exemplo. Talvez falte ao mercado um trabalho mais intenso de comunicação, para explicar para a sociedade como essa tecnologia pode ser usada de maneira ética e para o seu benefício.

Vale lembrar que o Brasil conta com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que obriga as empresas a tomarem uma série de cuidados na coleta e no tratamento de dados pessoais, inclusive os biométricos, para identificação e reconhecimento de cidadãos. Qualquer iniciativa de reconhecimento facial precisa seguir a LGPD.

Recentemente, em sua proposta de regulação de inteligência artificial que ainda será deliberada no parlamento europeu, a Comissão Europeia propõe algumas restrições no uso de sistemas de identificação biométrica remota em espaços públicos em tempo real. Cabe ressaltar que se trata de uma aplicação específica de reconhecimento facial, muito diferente do seu uso em um processo de autenticação, como acontece em nossos smartphones ou em projetos como o que a CUFA realiza.