Mobile Time analisou o substitutivo do PL das Fake News (PL 2630) que está em discussão no Congresso e que será votado em caráter de urgência na semana que vem. Segue abaixo um resumo dos principais pontos previstos na versão atual do texto, alguns deles acompanhados de comentários e análises.

. O PL das Fake News se aplica a redes sociais, ferramentas de busca e aplicativos de mensageria que tenham pelo menos 10 milhões de usuários há mais de 12 meses no Brasil. Caberá ao CGI.br listar os provedores que se enquadram na lei. (Art.2)

. A definição de “ferramenta de busca” no PL é a seguinte: “aplicação de internet que permite a busca por palavras-chave de conteúdos elaborados por terceiros e disponível na internet, agrupando, organizando e ordenando os resultados mediante critérios de relevância escolhidos pela plataforma, independentemente da criação de contas, perfis de usuários ou qualquer outro registro individual, incluído indexador de conteúdo e excetuadas aquelas que se destinem exclusivamente a funcionalidades de comércio eletrônico”. Comentário: A descrição não abrange a evolução das ferramentas de busca a partir do uso de IA generativa, como já acontece com o Bing da Microsoft e que em breve chegará ao Google. Elas deixarão de ser buscas feitas por “palavras-chave” e não fornecerão resultados ordenados, mas uma resposta organizada em um texto com começo, meio e fim. Da mesma forma, a descrição de “rede social” não abarca sua evolução para metaversos. Do jeito como está escrita a lei, possivelmente ela precisará de adendos no futuro para acompanhar essas novidades tecnológicas

. Os provedores desses serviços deverão oferecer aos usuários mecanismos para a denúncia de conteúdos que incentivem ou cometam os seguintes crimes: 1) golpe de estado ou crime contra o Estado democrático de direito; 2) incentivo ao suicídio ou automutilação; 3) atos de terrorismo; 4) crimes contra crianças e adolescentes; 5) infração sanitária durante situação de emergência em saúde pública. (Art.11). Comentário: A propagação de fake news sobre o Novo Coronavírus assim como as convocações para a intentona fascista de 8 de janeiro poderiam ter sido enquadradas nesta lei se ela já estivesse em vigor.

. Por ordem judicial, apps de mensageria terão que disponibilizar informações suficientes para identificar a primeira conta denunciada por outros usuários por envio de conteúdos ilícitos”. (Art. 42)

. Em caso de “risco iminente de danos à dimensão coletiva de direitos fundamentais” pode ser adotado um protocolo de segurança na operação do provedor de serviço. (Art.12)

. As plataformas precisarão explicar com clareza e transparência, resguardados segredos comerciais, como funcionam seus algoritmos de recomendação de conteúdo. (Art. 21)

. “O provedor deve, por padrão, demandar ação humana e consentimento do usuário para ativação de reprodução automatizada de conteúdos, salvo conteúdos musicais e listas de reprodução criadas pelo usuário”. (Art 21). Comentário: Esse ponto impacta diretamente apps como Instagram, Tik Tok e Kwai, que exibem vídeos curtos em reprodução automática (exemplo: Reels do Instagram).

. Os serviços que oferecerem publicidade digital precisarão exigir um documento de identidade de quem contrata o anúncio/impulsionamento; terão que manter uma biblioteca digital com dados de todos os anúncios e posts impulsionados; e disponibilizar ao usuário um histórico de todos os anúncios aos quais foi exposto nos últimos seis meses. (Art. 26)

. Os provedores vão remunerar veículos jornalísticos pelo uso de seu conteúdo. Isso acontecerá através de livre negociação entre as plataformas e os veículos de imprensa, a partir de critérios a serem definidos em uma futura regulamentação, que incluirá mecanismos para preservar a equidade e proteger os veículos de pequeno e médio porte. A pactuação poderá ser feita de forma coletiva, ou seja, por meio de associações de empresas. O Cade atuará para evitar que haja abuso de posição dominante por parte das plataformas na negociação com as empresas jornalísticas. (Art.32). Comentário: A ideia de criação de um fundo, sugerida pela Ajor, não foi acatada, por ora. Mas a possibilidade de negociação coletiva e as salvaguardas para proteger os veículos de pequeno e médio porte são uma vitória da atuação da associação.

. As contas de instituições do poder público e de agentes políticos do executivo e legislativo nas esferas federal, estadual e municipal são consideradas de interesse público e não podem bloquear a visualização a nenhum cidadão. (Art.33). Comentário: Essa medida impedirá a prática de muitos políticos nos últimos anos de bloquear a visualização de suas contas no Twitter a opositores que os criticam.

. Os provedores precisarão criar mecanismos para verificar a idade dos usuários, de forma a impedir o acesso de crianças e adolescentes a serviços que não sejam destinados às suas idades. Fica proibido também o perfilamento comportamental de crianças no uso dos serviços digitais. (Art. 40). Comentário: Hoje essa verificação é precária, baseada somente na autodeclaração. A necessidade de adequação pode abrir espaço para a adoção de plataformas de identidade digital, sejam públicas, como Gov.br, do governo federal, ou privadas, como id, da Mastercard.

. Apps de mensageria instantânea deverão: 1) limitar, de acordo com a futura regulamentação, encaminhamento massivo de mensagens; 2) determinar que listas de transmissão só poderão ser encaminhadas e recebidas por pessoas que estejam identificadas, ao mesmo tempo, nas listas de contatos de remetentes e destinatários; 3) instituir mecanismo para aferir consentimento prévio do usuário para inclusão em grupos de mensagens, listas de transmissão, canais de difusão de informações abertos ao público; 4) desabilitar, por padrão, a autorização para inclusão em grupos e em listas de transmissão (Art. 41)

. As sanções variam de advertência até proibição de tratamento de determinadas bases de dados, passando por multa de até 10% ou do faturamento anual da empresa, limitada ao valor máximo de R$ 50 milhões. (Art. 48)

.  O poder executivo poderá criar uma “entidade autônoma de supervisão” para detalhar a regulamentação, fiscalizar o cumprimento da lei e aplicar sanções.  Comentário: A Anatel está se oferecendo para cumprir esse papel. Mas cabe destacar que no texto do PL há diversas funções atribuídas especificamente ao CGI.br, como a definição de diretrizes e a validação de códigos de conduta dos provedores, o que, de certa maneira, também o credencia a servir de base para esse órgão no futuro. A criação dessa autarquia, contudo, enfrentará dura resistência no Congresso. Trata-se do ponto que enfrenta maior oposição dos bolsonaristas, que apelidaram a entidade de “Ministério da verdade”.