Nas reportagens anteriores sobre o metaverso, mostramos o que é, como será construído, quem está liderando a iniciativa e quais os modelos de negócios e aplicações que podem ser usadas nesses mundos virtuais. Nesta quinta reportagem, Mobile Time apresenta um dos problemas que o metaverso herdará do mundo físico: a inclusão digital.

Se o metaverso tem a promessa de quebrar as barreiras entre o digital e o físico, mudar as economias e os modelos de negócios, como incluir as pessoas que hoje não têm acesso à Internet? Quais são os problemas e como diminuir essas lacunas?

Don McGuire, CMO da Qualcomm, acredita que o principal problema é a conectividade. O executivo afirma que isso não acontece apenas no Brasil ou em países emergentes, mas também em países maduros, como nos rincões rurais dos Estados Unidos: “Conectividade e acesso têm que ser um equalizador”, completa.

De acordo com dados divulgados pelo Fórum Econômico Mundial (WEF) 3 bilhões de pessoas não têm acesso à Internet, um problema exposto pela crise gerada pela pandemia do novo coronavírus. WEF expõe ainda que esses excluídos estão desconectados por conta dos altos valores cobrados e não por falta de cobertura.

Isso porque, embora 88% da população mundial more em áreas cobertas pelo LTE, 650 milhões de pessoas que vivem em países de renda baixa precisam desembolsar 18 vezes mais com Internet de banda larga do que os países desenvolvidos. Além disso, o WEF afirma que mesmo em países maduros economicamente encontrar o preço que cabe no bolso do consumidor da banda larga “é um desafio”.

Falando sobre a importância da conectividade para o futuro, Maurício Ramos, CEO da Millicom, disse durante o MWC 2022 que é preciso trabalhar a infraestrutura digital com a mesma importância que a infraestrutura física de pontes e estradas. Para isso, o executivo da operadora latino-americana defendeu o conceito de “autoestradas digitais”, que colocam no centro o cliente e a rede.

“Nós precisamos parar de usar palavras como telco, mobile, cabo, 4G, 5G ou 6G. Acredito que, no nosso mercado, nós precisamos dizer ‘infraestrutura digital’, em especial para a digitalização em países em desenvolvimento. Porque, assim como café, bananas e tecidos, a população precisa de estradas, portos e aeroportos. Na economia física, a estrutura é física. Agora, a economia digital de Bits e Bytes precisa de infraestrutura digital. Mas só se chamarmos de infraestrutura é que vamos entender que o digital afeta todos os setores da economia. E que o impacto vai além do nosso setor. Tanto que 10% de aumento de penetração de conectividade de banda larga aumenta em 2% o PIB nesses mercados”, disse em fevereiro deste ano.

Guilherme Moika, consultor de engenharia de software do CESAR, acredita que a diminuição da lacuna entre digitalizados e não digitalizados também passa por oferecer serviços com formas de interação mais baratas. Deu como exemplo a utilização de realidade aumentada em celulares, no lugar da realidade virtual. Por outro lado, o especialista afirma que “será inevitável gastar” em infraestrutura.

Mudança de mentalidade

Além da estrutura, o que é preciso para levar a conectividade a quem não está inserido na economia digital e, consequentemente, no metaverso? Fernando Moulin, sócio da Sponsorb e professor da ESPM, explica que ter “conectividade gera valor” para a sociedade, mas é preciso ter ação combinada entre todos os participantes da cadeia de produção para resolver os problemas do gap digital. Dito isso, os setores público, privado e a sociedade civil devem começar levando “conexões às escolas e comunidades mais vulneráveis”, explicou o especialista.

Por outro lado, Moulin afirma que o avanço da tecnologia forçará os governos a repensar o papel do Estado, da sociedade e das cadeias de trabalho: “Como vai ser a sociedade do futuro? As pessoas vão preferir se distanciar das dores do mundo real e ficarem felizes no virtual com dopamina no cérebro? No passado, os governos se constituíram através de cidades-estado, pois era melhor produzir em comunidade do que unilateralmente. Avançamos para a globalização no século XX. Agora, quando caminharmos para a inteligência artificial será diferente. O Estado vai ter que se reinventar neste novo mundo”, completou Moulin.

Meta

Nick Clegg, presidente de assuntos globais da Meta e ex-vice-premiê britânico, escreveu em sua página no Medium que a Meta será guiada por prioridades como privacidade, segurança e integridade. Mas, sobre o problema do gap digital, os principais pilares da empresa são:

– Oportunidades econômicas: como dar mais opções de escolha às pessoas e manter uma economia digital pulsante;

– Igualdade e inclusão: como endereçar que essas tecnologias sejam desenhadas de forma inclusiva e acessível.

Nessas duas frentes, Meta começa a fazer investimentos em uma série de empresas, inclusive quatro brasileiras, para criar um metaverso responsável. Os destaques de trabalho de inclusão digital e oportunidades são:

  • O trabalho do ITS Rio e da mexicana C-Minds Eon Resilience Lab que desejam encontrar oportunidades no metaverso;
  • IP.Rec, que fará uma análise das políticas públicas brasileiras aplicáveis em tecnologias, como realidade aumentada e virtual;
  • Chuo University do Japão, que pretende trabalhar melhor o ensino e aprendizado de línguas estrangeiras pelo metaverso;
  • E a norte-americana Jobs For the Future, que deseja levar experiências de realidades aumentada e virtual para pequenas e médias empresas dos Estados Unidos para melhorar seus negócios e de trabalhadores que estão em desvantagem no mercado.

Clegg afirmou que o trabalho com esses grupos, ao mesmo tempo que constroi a tecnologia, tenta garantir que o entusiasmo com o metaverso seja acompanhado de um foco “rigoroso” e construção colaborativa.

Outros esforços

Além da Meta, em outro exemplo de trabalho para reduzir o problema, o CEO da Qualcomm na América Latina, Luiz Tonisi, explicou que a companhia está conversando com parceiros para desenvolver um dispositivo 5G das camadas de entrada, de modo a acelerar a adoção da quinta geração pela população local. Além disso, a companhia lançou um fundo de US$ 100 milhões para apoiar startups no desenvolvimento de aplicações.

Por sua vez, o Fórum Econômico Mundial criou a Edison Alliance, um grupo que une empresas como Verizon, Ericsson, Mastercard, American Tower, além da ONU e do grupo de saúde indiano Apollo Hospitals, para levar serviços de educação, saúde e inclusão financeira para 1 bilhão de pessoas no mundo.