Orkut Büyükkökten  acredita que as redes sociais devem aproximar as pessoas e criar experiências positivas. (Crédito: divulgação)

Orkut Büyükkökten dispensa apresentações. Seu nome já diz tudo – era provavelmente a palavra mais falada na Internet brasileira, quando a banda larga começou a se popularizar por aqui. Em 2004, o engenheiro de software criou a primeira rede social amplamente utilizada no Brasil, que influenciou a forma como nós interagimos virtualmente.

Nascido na Turquia, em 1975, passou a infância na Alemanha, depois voltou ao país natal, aos 9 anos de idade. Mais tarde, se mudou para os Estados Unidos, onde entrou na Universidade Stanford para estudar Ciência da Computação. Sendo um estrangeiro e crescendo no mundo todo, não era fácil se conectar com outras pessoas. Essa foi a fagulha que o levou a criar redes sociais: até hoje, já foram quatro.

“Todos temos computadores, estamos online – e se houvesse um site onde eu pudesse entrar no seu perfil, entrar nos seus amigos e descobrir pessoas?”, questionou, em 2000, para criar sua primeira rede social, Club Nexus, para alunos de Stanford. Ao terminar os estudos, queria manter suas conexões, por isso lançou a InCircle, para ex-estudantes da universidade. A essa altura, Büyükkökten trabalhava no Google como engenheiro, mas o seu coração sempre esteve em outro lugar. “As minhas maiores paixões na vida são conhecer e conectar pessoas – e também a tecnologia”, conta para o Mobile Time, em entrevista exclusiva.

Numa das maiores companhia de tecnologia do mundo, ele criou o que se chama de “comida de cachorro”, quando os próprios funcionários da empresa testam um produto internamente. Depois do enorme sucesso no Google, a rede social, antes chamada Eden, foi lançada como Orkut.com, já que o engenheiro tinha sido a única pessoa a trabalhar no projeto. No seu pico, chegou a 300 milhões de usuários em todo o mundo, sendo um dos sites mais visitados do Brasil.

Em 2016, sua última empreitada foi o lançamento da hello, um contraponto ao que considera um ambiente virtual tóxico criado pelas plataformas das big techs. A rede social prometia aproximar pessoas por meio de interesses em comum. No entanto, foi temporariamente pausada, em abril de 2022, mas algo novo deve surgir. Por volta da mesma época, o domínio Orkut.com foi reativado, misteriosamente. Büyükkökten faz suspense e não revela quase nada do que vem por aí.

Nesta entrevista, batemos um papo com ele para falar sobre o Orkut e os fatores que levaram ao seu fim. O engenheiro conta sobre a influência negativa das redes sociais no mundo atual, cujos donos só pensam em lucros. Büyükkökten também dá pistas sobre seus planos para o futuro, no qual pretende criar uma rede social que promova o encontros de pessoas no mundo real, além de valores que nos tornam humanos. Confira:

MOBILE TIME – Quais eram os recursos do Orkut que as pessoas mais gostavam?

ORKUT BÜYÜKKÖTEN – Penso que o recurso número um era, definitivamente, as comunidades. Era aí que as pessoas passavam a maior parte do seu tempo. Os scraps e os depoimentos também eram muito populares. Ao longo do tempo, introduzimos algumas funcionalidades, como por exemplo, quem visitou o seu perfil.

MT – Por que você acha que foi um sucesso especialmente aqui no Brasil?

OB – Acho que tem muito a ver com a cultura do Brasil e dos brasileiros. São muito amigáveis, sociais, acolhedores, apaixonados pela vida.Quando fiz o Orkut, fiz com positividade, gentileza e felicidade em mente. Era sobre conexão. Até mesmo se olharmos para as escolhas de cor. Normalmente, você tem uma curiosidade quando é criança, mas no Brasil, as pessoas mantêm essa leveza e curiosidade quando adulto, o que é fascinante. E são early adopters de tecnologia. Assim, quando algo novo é lançado, seja Clubhouse ou o Koo, os brasileiros abraçam. Acho que gostam do aspecto social, porque interagem com as pessoas e culturalmente estão muito conectados. Essa influência se reflete nas redes sociais.

Qual foi a importância do Orkut para outras redes sociais que estavam sendo desenvolvidas na época ou que vieram depois?

Muitas das características que tínhamos no Orkut foram eventualmente copiadas em outras redes sociais. Por exemplo, desde o primeiro dia tínhamos aniversários logo na página inicial. E agora, se formos às redes sociais, estas datas se tornaram notificações. As comunidades do Orkut se tornaram grupos do Facebook.

A maioria dos usuários no Orkut eram brasileiros e indianos, certo?

Na verdade, quando foi lançado, era realmente grande em muitos países, nos EUA era enorme, no Japão também. Em alguns países como a Estônia, o Orkut era a rede social número um. Mas ninguém fala sobre eles, porque a população é apenas poucos milhões. As pessoas falam sempre da Índia e do Brasil, porque esses países têm uma enorme população e adoção. A maioria da nossa base de usuários se encontrava no Brasil, e depois na Índia. Não é porque não éramos populares em outros países, mas outros países não tinham uma população tão grande.

Quais os fatores contribuíram para o fim do Orkut?

O Google notou a importância do social e decidiu adicionar uma camada social em cima dos produtos Google. Ao utilizar o Google Photos, a busca ou Gmail, teria o componente social em cima. Assim, criaram o Google+. Queriam que todos os usuário usassem Google+ e nada mais, o que o Google fez foi desativar qualquer produto que tivesse um componente social, e fecharam o Orkut. Na altura eu já não fazia parte da equipe do Orkut. Depois, eles fecharam o Google+. Basicamente, quando encerraram o Orkut, todos os usuários do Orkut, em vez de irem ao Google+, foram para o Facebook. Foi muito triste. Na verdade, nunca quis que fosse encerrado, mas eu não tinha controle sobre ele, porque o Orkut era um produto do Google. 

É verdade que o Brasil teve 30 milhões de usuários, como há registros na Internet afirmando?

Depende do número de usuários da Internet que existia no Brasil. Se houvesse, digamos, 50 milhões de internautas no Brasil, provavelmente haveria pelo menos 40 milhões no Orkut. Mas eu não sei o número exato. Na verdade, nunca demos o número. Mudou tanto nos últimos 10 anos. Quando o Orkut começou, os smartphones não eram assim tão populares. O iPhone foi lançado mais tarde. Quando o Orkut foi lançado, um grande número de pessoas nem sequer tinha computadores. Elas iam a lan houses para entrar no Orkut. Era uma época muito diferente.

Qual foi a ideia por trás da hello, quando a lançou?

Com Club Nexus, Incircle e Orkut, todos esses eram serviços baseados na web. Com hello, criei um app social focando no mobile. Fizemos um teste beta no Brasil e mais de dois milhões de usuários se inscreveram. Analisamos dados qualitativos e quantitativos, como as pessoas gostavam de se conectar na hello. Estão fazendo amigos? Está tornando elas felizes? Tivemos um engajamento e retenção realmente bons, comparáveis a apps de redes sociais como Instagram e Twitter. O que vamos fazer é usar todo o meu conhecimento do Club Nexus, Incircle, Orkut e hello, e lançar um novo app social, que estará disponível tanto na web, como em dispositivos móveis.

A hello foi uma espécie de experiência?

A paisagem social mudou tremendamente. Se olharmos para o que as mídias estão fazendo na sociedade, estão criando ansiedade, depressão, isolamento, infelicidade.  Queremos ter a certeza de que, quando tivermos um app, será na verdade uma experiência positiva, que aproxime as pessoas. Um dos componentes chave é o feed. Esta é uma das maiores disrupções nas mídias sociais na última década. Há sempre o feed, em que você passa a maior parte do seu tempo. É uma dinâmica muito diferente em comparação com o Orkut, onde você navegava, pesquisava e visitava pessoas e comunidades.

Hoje em dia, as empresas têm algoritmos que incorporam aprendizagem de máquina e inteligência artificial, otimizam para engajamento e a viralidade. Um post prejudicial e falso pode ir para o topo do feed, porque gera engajamento.  As empresas amam isso, porque cria publicidade, o que aumenta o lucro. Mas se olharmos para o efeito na sociedade, na verdade, deixamos de ser os nossos verdadeiros eus e estamos apenas compartilhando momentos falsos. As redes sociais são um lugar que estão nos afastando em vez de nos aproximar. As redes sociais devem ser sobre o social, aproximar as pessoas. Hoje em dia, são apenas sobre anunciantes, acionistas e lucros.

Você também reativou o domínio “Orkut.com”. Quais são seus planos?

Ainda não posso anunciar oficialmente nada, mas eu diria para ir ao Orkut.com e se inscrever. Assim que o lançarmos, você vai ver.

Você vai seguir essa direção do feed? 

A nova aplicação vai ter um feed. Há grandes coisas sobre o feed, na verdade, porque permite a descoberta. Assim, você vê conteúdos que normalmente não teria notado. O Orkut.com é um bom exemplo. Em um ano, tínhamos 4 milhões de usuários e também 1 milhão de comunidades. Quando se tem tantas comunidades, é difícil descobri-las, porque há muitas. Uma das coisas interessantes que fizemos foi com o feed, começamos a colocar conteúdos de comunidades à qual você não pertencia no feed e ver como as pessoas reagiam. O que é interessante é que muitas pessoas começaram a se juntar a essas comunidades. Você pode testar e validar teorias muito boas sobre como melhorar a felicidade e a conexão com o feed.

Vivemos numa sociedade hiperconectada, mas ao mesmo tempo as pessoas nunca se sentiram tão sozinhas, deprimidas e desconectadas umas das outras. Como explicaria este paradoxo?

Tem tudo a ver com redes sociais, porque, em vez de passarmos tempo cara a cara, estamos passando online. Se olharmos para as mídias sociais, hoje em dia, as pessoas não estão de fato fazendo amigos, estão apenas constantemente num circo competindo por engajamento. A postagem se transformou num circo de fantoches. Curiosamente, começamos a nos preocupar com pessoas que nem sequer conhecemos.

Na vida real, para nos tornarmos amigos, temos de nos tornar vulneráveis e isso é um risco. Hoje, deixamos de correr riscos, porque temos medo da rejeição e desaprovação. O mesmo acontece nas redes sociais. Temos medo de dizer algo que nos torna vulnerável, e porque não somos capazes de dizer, somos incapazes de fazer amigos. O mesmo está acontecendo na vida real, é apenas uma extensão. As redes sociais estão nos tornando mais solitários, isso vai ser espelhado na vida real.

O que realmente precisamos é aumentar a quantidade de interação cara a cara. A maneira mais direta de fazer isso é usar o poder da tecnologia para aproximar as pessoas, porque todo mundo já tem um smartphone. Se você tiver o aplicativo certo, poderá reunir as pessoas.

Como você evitaria isso de ocorrer com a rede social que está criando? 

Quando se cria um produto, cada vez que se toma uma decisão técnica, de produto, de recurso, de UX, é preciso ter a certeza de que o objetivo é ajudar na finalidade do app. O objetivo da rede social deve ser aproximar as pessoas, trazer alegria, compaixão, empatia, bondade, amizade e todos os valores que nos tornam humanos. Você pode incorporar isso nas suas decisões de criação.  

Hoje em dia é que as empresas estão apenas concentradas em “como posso ganhar mais dinheiro?”. Se esse é seu único objetivo, será uma experiência ruim para o usuário, porque é como manipular o seu comportamento. Hoje em dia, os computadores são tão poderosos, há tanta inteligência artificial, aprendizagem de máquina, que estão transformando cada experiência online em dados, utilizados para criar modelos que podem prever o seu comportamento. Assim, você é quase programado para agir de uma certa forma. A forma como você está agindo torna você menos social e mais infeliz. Eles usam os dados para lucrar com isso,  não para criar uma melhor experiência do usuário. Esse deve ser o foco principal dados.

Big techs, algumas das quais detém redes sociais, são algumas das empresas mais poderosas do mundo. Elas podem influenciar eleições, a forma como as pessoas agem e pensam. Como chegamos nisso?

No mundo de hoje, é tudo sobre ter o poder de manipular. Com as corporações, eles ficam gananciosos à medida que crescem. Se você olhar para as mídias sociais, como o Facebook, elas são extremamente lucrativas, mesmo que não sejam otimizadas para engajamento e viralidade. Você pode ter uma rede social que traz felicidade, que conecta pessoas, mas ao mesmo tempo é rentável. É a ganância que destrói essa experiência, porque você tem pessoas que se sentam na sala de reuniões, fazem uma análise de custo-benefício e decidem o que deve ser feito.

É tão importante não ser uma corporação má. Pequenas empresas apenas se tornam más por causa da ganância. É muito triste, porque globalmente temos avanços tremendos na tecnologia, mas veja o que está acontecendo na sociedade – está indo completamente para trás. Em vez de passarmos mais tempo juntos, de estarmos mais conectados, nunca estivemos tão infelizes, solitários e isolados. E o motivo são as big techs. Acho importante ter a mentalidade certa, especialmente se você estiver construindo produtos. Você tem que estar realmente consciente. Que tipo de experiência você está proporcionando? Mesmo com startups, antigamente, se tratava de criar uma bela experiência do usuário. Os fundadores, hoje, só querem ganhar milhões de usuários rapidamente, se tornar milionários e sair. A vida não é nada disso.

Ao mesmo tempo, algumas big techs não estão passando por um bom momento, como a Meta, que se tornou menos lucrativa. Por quê?

Isso é muito interessante porque, se você pensar no Google, por exemplo, Os maiores concorrentes do Google sempre foram outros mecanismo de busca, mas agora não é mais. Digamos que seja a Amazon – as pessoas estão indo para a Amazon para pesquisar produtos e tomar decisões de compra.

A geração mais jovem está indo para o TikTok, em vez de ir ao Google para pesquisar.

Exatamente.

E nem é uma rede social.

Isso é verdade. No caso da Meta, muitas pessoas estão indo para o TikTok, que é mais como uma plataforma de entretenimento, onde as pessoas estão assistindo a vídeos, mas isso está tirando o tempo gasto na Meta. Essa é uma das razões pelas quais eles estão passando por um momento difícil. O outro é focado no metaverso. O que está acontecendo com a sociedade hoje? Deveríamos estar fazendo exatamente o oposto do metaverso, porque mais do que nunca precisamos estar cara a cara. Precisamos estar na mesma sala, ter conversas autênticas e significativas. Queremos um mundo de avatares falando uns com os outros? Há tanto bem que as big techs podem fazer no mundo, mas elas estão focando em algo que nos torna menos sociais.

Como o seu projeto você tenta ir em outra direção?

Sim, é o mesmo que o Orkut. Vai ser tudo sobre o usuário, aumentar a felicidade, aproximar as pessoas.

Em seu projeto futuro, como você lidaria com os dados dos usuários?

Você pode usar os dados para fazer grandes melhorias na plataforma. Por exemplo, no Orkut, fizemos muitas pesquisas para otimizar a descoberta da comunidade.Vimos como os usuários clicavam nas comunidades e se juntavam a elas. Assim, conseguíamos apresentar recomendações melhores para comunidades relacionadas, para que você encontrasse comunidades nas quais desejava ingressar, mesmo sem saber sobre elas. Esse é o tipo de pesquisa que não viola a privacidade de forma alguma e é benéfica para o usuário, criando uma experiência melhor. É nisso que sempre focamos com o Orkut.

As redes sociais disseminam notícias falsas, discurso de ódio e outros temas que geram engajamento. Você acha que talvez precisemos de algum tipo de regulamentação?

Eu acho que as próprias empresas precisam ser responsáveis pela moderação. As empresas precisam garantir que o conteúdo prejudicial, vulgar e falso não seja propagado. Eu não contaria com o governo, ainda assim. Porque os governos não são previsíveis. Um novo presidente é eleito e então toda a meta de visão para o país muda. Você tem um presidente que é anti-tecnologia e outro que é a favor da tecnologia. Ou você tem um presidente anti-LGBTQ+ e outro a favor da comunidade LGBTQ+. Se você tem muita interferência do governo, isso realmente atrapalha a liberdade de expressão e a experiência.

Como você imagina a rede social perfeita?

Acho que o Orkut, quando foi lançado, naquela era daquela geração, era a rede social perfeita, porque trazia alegria, conexão, felicidade. Criou aquelas conexões mágicas que uniram as pessoas. A rede social perfeita hoje teria o mesmo propósito, objetivo e resultado final. Mas seria um tipo diferente de rede, porque os usuários e a tecnologia mudaram tremendamente na última década.

Você poderia me dar apenas uma dica do que você vai fazer?

Uma nova rede social vai ser lançada e vai ser na web, vai ser no celular e vai ser sobre aproximar as pessoas. Vai ser tudo sobre conexão e felicidade.

Estou curioso sobre o que virá.