O Metaverso começou no Brasil, mas não pelos jogos ou plataformas de interação virtual. A indústria deu o pontapé para o desenvolvimento da indústria 4.0 com a união do mundo físico com virtual 3D, a partir do desenvolvimento dos gêmeos digitais. Uma das aplicações em teste no MetaIndústria da ABDI e SPI é a criação de um gêmeo digital (digital twins, em inglês) com o mapeamento 3D de um chão de fábrica.

Feito com Dassault Systèmes (sistema fabril), com NVIDIA (renderização e metaverso), ESS (sensorização) e Virtual Plant (escaneamento digital), em apenas dois meses, o primeiro gêmeo digital do projeto foi criado.

“A própria construção do gêmeo digital precisa ser orientada ao negócio. Não é só criar um gaming, um ambiente virtual onde vou caminhar e experimentar. A verdade é que essa jornada de construção do gêmeo (digital) passa por um processo de experimentação e percepção dos gargalos e dos pontos de melhoria. Preciso construir métricas que me permitam traçar o ‘as is’ e o meu ‘to be’. Ou seja, como a fábrica precisa ser no dia seguinte”, afirmou Fabio Gomes, gerente sênior de vendas da Dassault Systèmes na América Latina.

Durante o evento da MetaIndústria em Brasília, Gomes apresentou as primeiras evoluções da prova de caso. No laboratório do projeto em São Caetano do Sul, região do ABC Paulista, as participantes do teste fizeram um escaneamento digital do local que tem 1 mil metros quadrados e criaram o gêmeo digital. Com o gêmeo pronto, as experiências para otimizar a fábrica são realizadas.

Após criar as provas, os testes passarão a: colocar máquinas e robôs em posição para trazer a melhor produtividade possível; validar as instruções de trabalho para o operador da máquina, seja em fluxo de trabalho ou segurança; após configurar a posição, vem o conjunto de sensores de aproximação de materiais para comunicar o fluxo; simular o ambiente de ar-condicionado (HVAC) e partículas (agente químico e biológico).

Um exemplo demonstrado na sede da agência de fomento era a simulação de uma linha de fábrica de biscoitos que avisava o erro na caixa ao embalar. Isso foi feito no Metaverso simulando uma linha de produção, com um braço robô treinado com inteligência artificial, uma câmera analisando as ações e o operador com sensores próximos à máquina e validando as ações do sistema.

Todo esse processo será entregue até novembro deste ano com a máquina física e o chão de fábrica em São Caetano do Sul e uma versão digital no Metaverso para ser acessada na sede da ABDI em Brasília. Mas não deve parar por aí.

“O primeiro produto de gêmeo digital é mostrar a melhoria e o ponto seguinte é orçar e criar condições para fazer a melhoria da fábrica. O próximo avanço é dar o suporte à operação. Ou seja, o gêmeo digital fica disponível para a fábrica e pode servir para um conjunto de novos usos. Por exemplo, para as outras provas de conceito do MetaIndústria – vide gerenciamento de fábrica, logística, trabalho em equipe –, a fábrica digital é utilizada para colaborar com a tomada de decisão em um processo de manutenção, assistir essa manutenção ou otimizar o processo logístico com controle de materiais até a linha (de produção)”, completou o executivo da Dassault Systèmes.

“No final do dia, nós temos uma plataforma (digital) que suporta as áreas operacionais, com melhora contínua e monitoramento constante dos processos que estão sendo feitos, além de uma rotina que checa os gargalos e as melhorias. Isso tudo traz a possibilidade de equilíbrio, entre produtividade e os 3Ps – pessoas, planejamento e lucro (profit, em inglês)”, completou.

Alinhamento

Marcel Saraiva, gerente de vendas da NVIDIA na América Latina, afirmou que o projeto pode ser visto como um começo do Metaverso industrial no Brasil, capaz de atingir todas as camadas da indústria brasileira, dos pequenos aos grandes. O executivo chama esse momento de “alinhamento de planetas” para “um passo real” e efetivo na aplicação das tecnologias de imersão, simulação e 3D no ambiente industrial.

“Se pensarmos em lugares como Europa, EUA, Ásia, a implementação dessas tecnologias é uma realidade. No Brasil, estamos no processo inicial de exploração. Nós precisamos acelerar. A ideia do nosso projeto com as empresas (Dassault, ESS, Virtual Plant) vai além de trazer as médias e pequenas empresas, mas também as grandes empresas globais para colaborarem, pois elas estão avançadas – mas não no cenário brasileiro”, conversou com o Mobile Time.

Gomes, da Dassault, lembrou que o objetivo dos testes é viabilizar essas tecnologias para pequenas e médias, mas reconheceu que as médias podem estar mais próximas do uso. E ressaltou que as tecnologias de Metaverso não podem ficar presas apenas às grandes companhias: “Essas aplicações servem para todo o parque industrial brasileiro. Como indústrias de bens de capital e bens de consumo – duráveis e não duráveis”, completou, ao lembrar que parte dessa tecnologia é caso em empresas no exterior, como a L’Occitane e Dassault Aviation.

Início

Pensando em como uma planta fabril pode estruturar sua fábrica para o Metaverso, Saraiva explicou que o ideal seria ter toda a fábrica com gêmeos digitais, mas isso deixaria os projetos com um preço alto. Portanto, o executivo entende que a realidade brasileira permite às empresas criar os digital twins em partes.

“Pode começar pequeno. Essa é a nossa proposta: inicia com o gêmeo digital em uma pequena área de produção e otimiza. Depois você passa para uma outra área, e depois, uma terceira. Quando percebemos, um departamento inteiro da fábrica está digitalizado e depois a fábrica está completamente digitalizada no estado da arte”, explicou.

Dentro da indústria, Saraiva afirma que a automação e a otimização de processo são as primeiras etapas que podem “colher frutos em tempo curto”.

Pela Dassault, Gomes afirmou que, no Brasil, o setor industrial está atrelado “à capacidade de inovar somado ao ganho de produtividade”. Nesse universo, as métricas que são trabalhadas para mostrar as vantagens, como “flexibilidade e a modularização” em fábricas de consumo, como cosméticos, ou simular como as trocas de turnos não derrubam a produção em operações que trabalham em vários turnos, como fabricantes de carros.

“Mas o grande diferencial do trabalho que fazemos no hub (MetaIndústria) é que, a cada cliente nós identificamos o objetivo do negócio, os KPIs e depois entramos na jornada de inovação e digitalização”, explicou.

5G

Um adendo feito por Saraiva é a importância do 5G. O gerente da NVIDIA explicou que a quinta geração consegue endereçar dois desafios importantes para o Metaverso Industrial. O primeiro é o transporte de dados pesados das imagens em três dimensões com alta velocidade. E o segundo é entregar baixa latência para atividades de missão crítica. O executivo lembrou que a Nokia participa do MetaIndústria “para resolver esses problemas”.

“O 5G é ferramenta fundamental, pois estamos construindo aplicações que transportam vários dados e nós precisamos dessa via de transporte de informação o mais acelerada possível e com baixa latência”, disse Saraiva. “Podemos ver uma máquina inteligente (com sensores) coletando dados, transportando em tempo real e processando isso em um datacenter ou na nuvem. Ou ter colaboração entre profissionais com óculos de realidade virtual 3D, em pontos diferentes de uma fábrica. Para essas aplicações a latência precisa ser baixíssima e a velocidade da rede precisa ser alta. Essas são as características do 5G que podem ajudar a indústria”, completou.

Exemplo

Durante a demonstração feita na ABDI na última quarta-feira, 30, um PC preparado para acessar o gêmeo digital com placa de vídeo (GPU) NVIDIA RTX A6000 rodava a renderização 3D (sem travar) em:

  • 119 quadros por segundo (FPS);
  • Latência de 8,3 m/s;
  • 12,4 GB de um total de 34 GB da GPU sendo consumidos;
  • 21 GB de 27 GB de memória em consumo.

Para efeito de comparação com o mundo consumidor, um jogo como o Call of Duty Warzone, de disputa em grandes grupos online (battle royale), a NVIDIA recomenda uma taxa de 144 FPS para ter uma vantagem competitiva em partidas.

*Jornalista viajou a convite da ABDI