Nos últimos anos, a Agência Nacional de Telecomunicações tem fomentado o debate sobre a regulação da ocupação do espaço, abordando temas como as iniciativas voltadas à sustentabilidade espacial, discutidas nesta coluna em 04/03/2025, e a crescente preocupação com a expansão das constelações de satélites sob o ponto de vista concorrencial e de soberania digital.

Mesmo diante desses desafios, o setor satelital continua em expansão e mantém ampla expectativa de contribuir para o alcance da conectividade significativa. Como lembrou o conselheiro Alexandre Freire em recente publicação:

“O espaço passou a ocupar o centro da disputa geopolítica e econômica contemporânea. A expansão das constelações de satélites não geoestacionários (NGSO) simboliza esse movimento. Trata-se de uma inovação que carrega imenso potencial de transformação: ampliar o acesso à internet em regiões remotas, reduzir desigualdades digitais, aumentar a resiliência das redes e viabilizar aplicações de baixa latência em setores vitais como saúde, educação e defesa (…)”

Nesse contexto, outro eixo que ganha cada vez mais relevância, tanto no âmbito da própria Anatel quanto no cenário internacional, é o desenvolvimento dos sistemas satelitais Direct-to-Device (D2D). Como se sabe, tais sistemas consistem em serviço satelital capaz de conectar diretamente o satélite ao dispositivo móvel, dispensando redes terrestres intermediárias.

Dadas as suas características, o D2D viabiliza baixa latência e a ampliação de cobertura em áreas remotas, além de ser uma alternativa em regiões afetadas por desastres naturais que impossibilitam o funcionamento de redes terrestres. Os serviços D2D, por isso, têm atraído o interesse das maiores empresas dos setores aeroespacial e de telecomunicações, que enxergam nesse modelo oportunidades de negócio e inovação tecnológica.

Entre casos relevantes, destacam-se: no exterior, (i) em 2025, a SpaceX solicitou à Comissão Federal de Comunicações (FCC) dos Estados Unidos autorização para lançar 15 mil satélites Starlink voltados ao D2D; (ii) em 22/10/2025, as operadoras Lynk e Omnispace anunciaram plano de fusão com o objetivo de oferecer soluções D2D, que incluirá a operadora SES na estratégia após a fusão; (iii) no Brasil, a Viasat realizou em abril de 2025 primeiro teste utilizando a tecnologia D2D em banda L com padrões 3GPP NTN (Non-Terrestrial Networks).

Além do setor privado, entidades internacionais e reguladores também vêm incentivando o debate sobre o tema. Na Conferência Mundial de Radiocomunicações da UIT de 2023 (WRC-23), realizada nos Emirados Árabes Unidos, por meio de sua Resolução 253, estabeleceu-se a elaboração, até a próxima conferência em 2027, de estudos sobre requisitos de espectro e questões técnicas, operacionais e regulatórias relacionadas à implementação do serviço móvel por satélite para conectividade direta com os equipamentos de usuário de IMT.

No Reino Unido, a Ofcom, entidade reguladora de comunicações, publicou consulta pública em 25/03/2025, com término em 10/10/2025, com o objetivo de obter contribuições sobre o uso de faixas de espectro das operadoras móveis em serviços satelitais D2D. Foram recebidas 23 contribuições entre empresas, associações e profissionais do setor, que, dentre outras questões, apontam para preocupações sobre definição das faixas de frequências a serem utilizadas pelo D2D, bem como possíveis interferências em razão do uso mesma frequência pelo satélite e rede terrestre.

No Brasil, as discussões sobre a eventual implementação de serviços D2D utilizando o espectro destinado às redes móveis também estão em andamento.

Em 19/04/2024, a Anatel publicou o Projeto Piloto de Ambiente Regulatório Experimental (Sandbox), permitindo a autorização temporária de radiofrequências em faixas do Serviço Móvel Pessoal (SMP) para testes de sistemas satelitais com aplicações D2D, por prazo superior ao previsto na regulamentação vigente.

Nessas oportunidades, em nível nacional e internacional, de modo geral, são abordados os seguintes desafios técnicos e regulatórios:

  • definição das faixas de frequências a serem utilizadas pelo D2D;
  • ocorrência de interferências, causando eventual degradação da qualidade do serviço, em razão do uso da mesma frequência pelo satélite e por rede terrestre;
  • limitações na capacidade de transferência de dados, em razão da altitude e do tamanho dos canais de espectro disponíveis;
  • a crescente ocupação do espaço, um recurso limitado, e seus impactos no gerenciamento de espectro e riscos de colisões;
  • limitação do acesso das MNOs ao Sandbox e eventuais licenças;
  • altos custos envolvendo o lançamento e a operação dos satélites;
  • questões concorrenciais em razão da concentração de grandes constelações de satélites em poucos players.

Diante desse cenário, o Sandbox regulatório da Anatel, em vigor até outubro de 2026, representa uma oportunidade estratégica para que as prestadoras móveis em parceria com operadoras satelitais desenvolvam e testem soluções de serviços satelitais D2D, apesar do baixo engajamento atual do setor.

Nesse sentido, a ampliação dos agentes elegíveis, a promoção de incentivos para que as prestadoras superem barreiras comerciais e de cooperação, bem como eventual atribuição direta de frequência ao serviço satelital, por exemplo, surgem como algumas alternativas capazes de estimular a participação das empresas.

Com efeito, o debate sobre essas iniciativas e a adesão ao Sandbox, permitem avaliar na prática os desafios técnicos e regulatórios abordados, promovendo o amadurecimento dos sistemas D2D e contribuindo para o diálogo conjunto entre a Anatel e os agentes do setor. Desse modo, abre-se caminho para a consolidação de soluções que possam ampliar a conectividade em todo o país.

*Com a colaboração de Giovanna Soares

 

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