É impossível contar a história recente (dos sistemas operacionais) sem falar dos ciclos tecnológicos que estamos vivendo. O avanço tecnológico encurta ciclos e altera, em tempo real, a forma como buscamos informações, interagimos e consumimos. Quando comecei minha carreira com um serviço de construção de sites para empresas, ainda nos anos 1990, eu só tinha um lugar para prospectar clientes: as páginas amarelas. Pouco tempo depois, encontrar marcas e organizações era uma tarefa para os buscadores de internet. Na sequência, vieram os aplicativos móveis. Agora, a onda é outra – e cabe dentro de uma sequência de balões de diálogo.
A nova linguagem da interação digital é a conversa. Aqui no Brasil, não é mistério: o canal que lidera essa onda é o WhatsApp. É curioso pensar como cada uma dessas fases se sucederam – e como o app de mensagens da Meta não só assumiu esse protagonismo, mas também já dá mostras do potencial de se tornar algo maior. Mais do que um canal de comunicação, o nosso “zap zap” se tornou o verdadeiro sistema operacional da economia brasileira.
À primeira vista, pode ser inusitado ver o app dessa forma. Afinal de contas, a ferramenta nasceu para ser um sistema de comunicação leve, capaz de enviar mensagens mesmo nas conexões mais remotas. Mas há muito tempo ela deixou de ser apenas uma caixa de mensagens. Globalmente, ela é um sistema operacional aberto: um ambiente no qual negócios são construídos, relações se aprofundam e transações são realizadas. Em países como o Brasil, esse impacto é ainda mais profundo.
Em 2016, quando o aplicativo foi bloqueado diversas vezes pela Justiça brasileira, o prejuízo era o de não falar com os familiares por algumas horas. Hoje, o cenário é bem diferente: ao sinal de qualquer instabilidade na plataforma da Meta, o Brasil sente o tranco. Se o WhatsApp sair do ar, um banco pode deixar de bater uma meta semanal, um boleto pode ficar sem pagamento e empresas – dos microempreendedores às grandes corporações – perdem receita.
A conversa como nova interface
O uso do termo “sistema operacional” não é à toa: ele tem um significado tanto figurativo quanto literal. Há algumas décadas, sistemas como Windows e a dupla iOS/Android serviam de base para que empresas criassem softwares e aplicativos para seus clientes. E se, antes, interagir com as marcas era algo mediado por esses serviços, hoje essa mediação – que tem suas próprias aplicações – acontece pelas mensagens, em um ambiente que é familiar ao usuário. Mais do que isso, o WhatsApp também permite uma interação mais fluida e natural do que os representantes de ondas anteriores.
Para entender, basta olhar para empresas que estão surgindo como nativas dentro do WhatsApp. De maneira silenciosa, elas estão revolucionando setores tradicionais – como a indústria financeira. Um bom exemplo é a Magie, hoje responsável por 2% do volume total de PIX enviados no Brasil, sem sequer ser um banco. Detalhe: há 12 meses, a empresa nem existia. A proposta da Magie é simples: se o usuário envia um boleto ou uma foto de uma conta, a assistente digital da empresa é capaz de pagar ou fazer a transferência, indo buscar o dinheiro onde ele estiver – com a devida permissão do usuário para acessar a conta e fazer um PIX, graças ao Open Finance.
É a era do consentimento encontrando a era da conversa, em uma simplicidade que não é só uma questão de usabilidade. Trata-se de um modelo de negócio: afinal, é muito mais fácil e intuitivo pagar uma conta trocando uma mensagem do que apertando uma série de botões dentro de um app – seja porque não é necessário alternar apps ou mesmo instalar uma aplicação qualquer, só para ficar em dois exemplos. É inclusivo, também, pois amplia o acesso de quem tem menor familiaridade com a tecnologia
A Magie, claro, não é o único exemplo. Outro nome bacana é a Jota, que tem uma função parecida com a Magie, porém focada em pequenas empresas – aqui, a tese é de que o WhatsApp pode substituir as maquininhas num futuro próximo, com escala, custo mais baixo, capilaridade e experiência fluida. Elas não estão sozinhas: hoje, o WhatsApp já tem um grupo de trabalho que reúne diversas startups “rodando no zap” para trocar experiências e fomentar a inovação.
Uma transição complicada
Para uma empresa novata ou pequena, fazer o que essas empresas que citei fazem, pode ser simples. Já para uma grande corporação, com décadas de operação, o desafio para se adaptar é maior. A questão não é só de tecnologia, mas também de tempo, escala e legado. Afinal de contas, enquanto a Magie hoje soma 100 mil usuários, bancos e varejistas têm dezenas de milhões de clientes, sistemas legados robustos e uma grande necessidade de controle, segurança e confiabilidade.
Montar um produto baseado no WhatsApp que entregue uma experiência saudável para milhões de pessoas não é o mesmo que começar do zero. É uma operação que demanda muitos passos – da integração com a infraestrutura da Meta à criação e validação de números de contato, passando pelo monitoramento de saúde dos números, a garantia de consentimento e o suporte em larga escala. É algo que exige preparo e, sobretudo, estratégia.
Além disso, vejo que há três pilares indispensáveis para que qualquer aplicação conversacional decole:
? Segurança: o usuário precisa saber que está falando com quem diz ser.
? Confiança: é preciso garantir consistência, privacidade e disponibilidade.
? Monetização: criar experiências fluídas não basta — elas precisam gerar valor financeiro sustentável.
Mesmo quem está mais avançado no território do WhatsApp, ainda não complementou esse tripé – a empresa ainda não monetiza diretamente seus serviços. Não é um problema: por agora, a empresa está repetindo uma fórmula clássica do Vale do Silício, em que primeiro se constrói a base crítica para depois buscar a receita. Empresas tradicionais, por sua vez, não têm esse luxo: elas precisam entregar resultados desde o dia 1.
A moeda mais escassa
Quem ler os últimos parágrafos com atenção vai perceber que ainda não há vencedores claros na nova onda da tecnologia. Se por um lado, há uma oportunidade, do outro fica claro que o tempo é a moeda mais escassa aqui – e ninguém quer ficar para trás. É justamente essa escassez que abre espaço para uma série de parcerias estratégicas entre plataformas e empresas tradicionais, fazendo interações para buscar uma solução cada vez mais precisa.
Em meio a esse contexto, é preciso destacar que o próprio WhatsApp está em evolução. Da mesma forma que o Windows evoluiu ao longo dos anos 1990, ou o Android, entre o final dos anos 2000 e a atualidade, o app da Meta precisa se expandir. É preciso crescer, abrir novas APIs e permitir que empresas e desenvolvedores sejam capazes de construir aplicações sobre ele com segurança e eficiência. Não é algo que parece distante. Mas, ao se concretizar, essa evolução permitirá que o mercado se transforme ainda mais rápido.
Lembro de quando as primeiras versões do Windows surgiram. Pode parecer engraçado, mas houve um tempo em que não existia uma área de trabalho ou um menu Iniciar. Com o WhatsApp, será igual: se hoje concessionárias de luxo e lanchonetes de bairro confiam nele para falar com o consumidor, o que elas poderão fazer amanhã com novas funções, ainda não imaginadas?
Uma coisa é certa: as empresas precisam se dar conta de que o WhatsApp pode ser mais do que apenas um sistema de comunicação. Ele pode ser uma plataforma de vendas, de relacionamento, de retenção de clientes e inteligência de negócio. Junto a outra tecnologia que evolui a olhos vistos – a IA –, essa nova onda tecnológica vai permitir que as organizações aprendam com seus consumidores, em um ciclo de interações cada vez mais rápido (algo que, aqui na Blip, chamamos de short feedback loop). Quanto mais intensas forem as interações, maior será o aprendizado.
Diante de tudo isso, não é hora de olhar para o futuro, mas para o agora. Lá atrás, quem não tinha um site ficou para trás. Quem deixou de ter um app perdeu clientes. Agora, quem ignorar o WhatsApp como um canal de negócios também está sujeito a perder relevância. A onda da vez é a conversa. Quem não souber escutar, corre o risco de não ser mais ouvido.