A promessa mais sedutora da era digital é simples: usar algoritmos e dados alternativos para levar crédito a quem hoje está fora do radar dos bancos tradicionais. Em mercados emergentes como o Brasil, onde a bancarização avançou muito na última década, as fintechs e modelos de crédito baseados em machine learning já mostram que é possível avaliar risco de formas que antes eram impensáveis.

De acordo com a Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2025, realizada pela Deloitte, oito em cada dez bancos já incorporaram a inteligência artificial generativa (GenAI) em suas operações e devem aumentar, em 2025, o orçamento total destinado à tecnologia, atingindo R$47,8 bilhões, uma alta de 13% em relação a 2024. Um exemplo de implementação é o Itaú Unibanco que, agora, possui a “Inteligência de Investimentos Itaú”, uma solução com conceito de agente de investimentos baseado em IA Generativa.

o é novidade que nos últimos anos a bancarização cresceu muito globalmente,  e o Brasil não ficou para trás. Segundo os dados do Global Findex, que mostra o crescimento do uso de contas para fazer pagamentos digitais, a parcela de adultos que fazem ou recebem pagamentos digitais cresceu de 35% em 2014 para 57% em 2021, um aumento que supera o crescimento da titularidade de contas no mesmo período. Ao mesmo tempo, embora grande parte da população possua conta com acesso a crédito formal e poupança em conta, ainda existe uma grande parcela desigual, especialmente por renda, gênero e região.

Entretanto, atualmente, instituições estão incorporando o alternative data que consiste em um histórico de pagamentos de contas, comportamento de comércio eletrônico, telemetria, padrões de uso de celular e dados de plataformas digitais. Essa tecnologia permite  observar potenciais tomadores sem histórico em bureaus – empresa que coleta, organiza e fornece informações sobre o histórico do usuário. Quando usado com cuidado, esses dados conseguem identificar sinais de capacidade de pagamento e reduzir a assimetria de informações que impedem a concessão de pequenos empréstimos a micro empresas e consumidores informais.

Além disso, o ecossistema fintech no Brasil é grande e está em crescimento, o que amplia a capacidade de escalar soluções como o  alternative data. Isso porque, o setor atingiu US$ 4,73 bilhões em 2024, de acordo com o IMARC Group. A pesquisa ainda aponta que o mercado atingirá US$ 17,58 bilhões até 2033, apresentando uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 15,70% entre 2025 e 2033.

Com o massivo uso de smartphones, a alta demanda por pagamentos digitais, a implementação de políticas de open banking, o aumento da inclusão financeira e dos investimentos em capital de risco e os avanços substanciais nas plataformas de crédito são alguns dos principais fatores que impactam positivamente a participação de mercado das fintechs brasileiras. Além disso, a expansão de novos modelos de crédito (incluindo empréstimos por meio de plataformas digitais) implicou em uma maior oferta e competiçãoo que, em teoria, reduz spreads e aumenta a oferta para perfis antes rejeitados.

Contudo, temos um problema no meio do caminho, os algoritmos. Isso porque, ele pode limitar o acesso. Uma vez que não operam em uma vácuo, eles aprendem com dados históricos que já embutem desigualdades, como:

  • Decisões automáticas sem explicações claras impedem que o consumidor entenda ou conteste negativas, limitando caminhos de recurso. Isso afeta sobretudo os mais vulneráveis, que têm menos capacidade de questionar instituições;

  • O uso indiscriminado de dados alternativos traz riscos de privacidade e de gaming (usuários adaptando comportamento para “parecer” mais crédito-azul), criando efeitos adversos sobre comportamentos financeiros locais.

E para transformar potencial em inclusão real, é preciso uma ação coordenada nas duas frentes:

Para empresas e modelos (fintechs, bancos):

  • Implementar modelos  e documentação que descreva dados usados, populações-alvo, desempenho por subgrupos e limitações;

  • Oferecer canais de contestação simples e humanas reavaliações quando a decisão for negativa;

  • Exigir transparência mínima sobre variáveis utilizadas e métricas de desempenho; exigir relatórios de impacto por raça/gênero/região quando viável.

Para a sociedade civil e pesquisadores:

  • Auditorias independentes e acesso a bases sintéticas para replicabilidade das análises;

  • Programas de capacitação financeira para que tomadores entendam risco, custos e alternativas.

IA e os dados alternativos têm real potencial de ampliar a oferta de crédito e reduzir exclusões históricas. O Brasil, com um setor de fintech robusto e que está em expansão, está bem posicionado para colher esses benefícios. Mas, não existe atalho técnico para justiça: sem regulação, transparência e salvaguardas, modelos algorítmicos podem introduzir antigas desigualdades em novas formas algorítmicas. O resultado desejável é uma política e governança que promova inovação responsável, ou seja, modelos que aumentem aprovações sem penalizar grupos vulneráveis e que deem voz e recurso ao cidadão negado. Isso exige empresas comprometidas, reguladores ativos e vigilância da sociedade.

 

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