Recentemente li um ensaio do Byung-Chul Han, sul-coreano radicado na Alemanha, professor doutor da Universidade de Berlim. O texto, cujo título é “Infocracia”, foi publicado pela Editora Vozes em um pequeno livro de 107 páginas.

A tese de Han é clara e relaciona a digitalização com a crise da democracia. Estabelece o conceito de “regime da informação”, comparando-o ao “regime disciplinar” do século XX. Aliás, o prof. Han usa o termo “sociedade da informação” para se referir ao nosso século – essa convergência me alegrou muito, pois é um termo usado ad nauseam por mim.

Pois bem, na visão do autor, tal qual no regime anterior, a “infocracia” apresenta também dinâmicas totalitárias. Dessa vez pelo esvaziamento e fim da ação comunicativa (onde ele vai de Jürgen Habermas), que significa o fim das escutas, das conversas e da reflexão genuína em meio a uma deliberada infodemia.

A parte em que Han acionou George Orwell me chamou muito a atenção. As tais “teletelas” do Grande Irmão são representadas pelo smartphone, “o novo meio de submissão”. Na página 33 do livreto, em meio a essas referências, o autor crava: “no regime de informação, as pessoas não são mais telespectadoras passivas, que se rendem ao entretenimento. São emissores ativos. Produzem e consomem, de modo permanente, informações. A embriaguez de comunicação que assume, pois, formas viciadas, compulsivas, retém as pessoas em uma nova menoridade. A fórmula de submissão do regime de informação é a seguinte: comunicamo-nos até morrer.”

Essa nova “menoridade” é um condicionamento constatado por tempos estranhos: CPIs de influenciadores digitais com posturas adolescentes; agências histéricas com hordas de influencers que promovem narrativas pouco transparentes; avanço epidêmico de bets e tigrinhos para pessoas sem cidadania financeira. Pesado, supera Aldous Huxley.

Isso sem contar aquele discurso vazio de empreendedores de palco e uma cobertura de mídia cada vez mais voltada para as polêmicas instantâneas das redes sociais. Todos esses elementos reforçam a precisão e agudeza do raciocínio do Dr. Han. Vivemos, cada vez mais, um mundo em transe, fundamentalmente desatento, pois presta atenção apenas ao barulho imediato, sem reflexão, sem ação comunicativa.

Na onipresente indústria de comunicação das marcas, em particular, o maior objetivo é ser ruidoso. Até parece que é de propósito: promover a “vertigem permanente de atualidade”, no limite da responsabilidade, para contribuir com o aspecto mais tenebroso da tal infocracia. Vale tudo. O negócio é fazer muito ruído para subir no palco, ainda que de forma escusa, como foi escancarado pelo caso DM9 e Consul em Cannes. A reflexão, a profundidade e a honestidade intelectual não importam. O que importa é o “estímulo da surpresa”, o barulho do momento. Como se nada mais valesse a pena, pois assim funciona o “regime da informação”.   

Pois é. O alerta de Han, publicado originalmente em 2021, faz todo o sentido. Na verdade, é uma profecia certeira, se nada for feito. Por tudo isso – sem querer parecer ingênuo – reforço o que já escrevi neste MobileTime: a responsabilidade midiática das marcas, mídias e agências é o caminho a ser trilhado. É preciso resgatar a reflexão e ação comunicativa, ir na contramão da infocracia. O smartphone está aí nas mãos de, virtualmente, todos os habitantes do planeta. O destino que vamos dar ao telefone celular, como dispositivo protagonista na sociedade, é o desafio central que foi concedido à nossa geração. 

Cada um de nós, em seu foro íntimo, deve escolher seu compromisso: se o smartphone será a “teletela” de Orwell ou um dispositivo de estímulo à cidadania vislumbrado por um otimista Pierre Lévy. Por enquanto, na análise de Han, o lado sombrio tem vencido. Mas o resgate da confiança é o caminho para a mudança de rumo, a começar pela mídia e comunicação, que deve ser mais focada em informar do que persuadir. Cabe a nós nos preocuparmos com essa questão de forma substantiva, profunda e urgente. Para agirmos com atenção e intenção. Reside aí a missão do nosso tempo, da nossa sociedade da informação.

 

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