Um aplicativo voltado para o monitoramento de enchentes nasceu a partir de um projeto científico cujo propósito é tratar enchentes a partir de diferentes perspectivas. Dados à Prova D’Água (Android) foi desenvolvido por mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos em parceria com alunos e professores das comunidades brasileiras participantes do projeto que ajudaram com suas ideias a partir de experiências vividas.

A participação dos moradores das comunidades também envolve a criação de pluviômetros caseiros – feitos com garrafas PET – e eles são responsáveis por medir o volume de chuva que caiu no local. Após a medição, eles inserem os dados no aplicativo, alimentando-o.

A ideia é que se tenha uma estimativa das chuvas locais, de modo que os moradores entendam melhor com essa experiência o significado das diferentes quantidades de chuvas que caem, ou seja, se poderá ter alagamentos ou não.

A iniciativa é também fruto de uma parceria com o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), que, entre outras informações, mostra como se faz um pluviômetro caseiro.

“Criamos um método para desenvolver o app junto com as comunidades vulneráveis e nos inspiramos na pedagogia freiriana (do educador Paulo Freire). Do ponto de vista científico é um produto interessante porque foi construído a partir do desenvolvimento participativo”, resume Maria Alexandra Cunha, professora da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV) e coordenadora da parte brasileira do projeto em conversa com Mobile Time.

“À medida que a comunidade alimenta o app, as pessoas ficam mais conscientes da chuva. Eles sabem o quanto chove e por quanto tempo”, explica Cunha. Quando a população se engaja, as pessoas ficam mais aptas a tomar decisões melhores na sua vida. Se vai chover 90 milímetros, ela entende o significado daquele alerta, de que vai chover muito, e que é melhor não sair de casa, por exemplo”, diz.

No momento, o projeto Dados à Prova d’Água tem parceria com comunidades em cinco estados do País: Pernambuco, Santa Catarina, Mato Grosso, Acre e São Paulo. O app foi desenvolvido durante cerca de um ano e, no mês de dezembro de 2021, foi testado por cerca de 300 pessoas – lugares que já tinham trabalhos com o Cemaden Educação.

“O aplicativo propõe o diálogo com dois tipos de público: escolas e as defesas civis. É uma forma delas conhecerem melhor essas localidades”, explica a coordenadora da parte brasileira do projeto. No caso, a troca acontece com as defesas civis recebendo informações detalhadas de chuvas nas comunidades e elas retornam com informações sobre áreas vulneráveis para os moradores com dados oficiais.

A professora deu um exemplo do uso do app: a prefeitura de Cuiabá/MT fazia uma grande obra para conter alagamentos. Um dia, uma chuva forte acabou não alagando a região, mas eles não sabiam se não tinha chovido o suficiente ou se a obra foi eficaz e atingiu seu objetivo. Com o aplicativo, eles perceberam que a obra foi capaz de conter a quantidade de água que caiu e que estavam no caminho certo.

“Os dados também são usados para calibrar e melhorar modelos de previsão. Ele vai proporcionar melhores alertas antecipados para que a comunidade se prepare para as chuvas”, explica João Porto de Albuquerque, professor da Universidade de Glasgow e líder internacional do projeto.

A equipe também desenvolveu um curso voltado para alunos do Ensino Médio para usarem o aplicativo em suas comunidades. A disciplina eletiva está disponível a todos e a ideia é escalar o uso do app e disseminar o monitoramento das chuvas pelo País, de modo a alimentar ainda mais a ferramenta.

“O grande desafio desse mapeamento e monitoramento dos riscos é entender os impactos locais”, resume Albuquerque.

O aplicativo deve ganhar em uma futura atualização inteligência artificial e aprendizado de máquina para poder analisar os dados e inserir previsões e classificar os riscos das chuvas. Uma outra possibilidade é mandar alertas aos moradores das comunidades. “A gente trabalha na prevenção e não quando está acontecendo um evento. Neste caso, a função é da Defesa Civil. Mas sabemos que cada R$ 1 real na prevenção retorna R$ 5 na remediação dos casos”, resume Albuquerque.

“Com o app, o usuário e os órgãos públicos competentes vão saber melhor quais são as áreas de risco. É possível prevenir perdas. Nossa preocupação é em fazer o monitoramento anterior e preparar a comunidade para o evento, além de ser um novo canal de comunicação entre cidadãos e órgãos públicos. Neste caso, ele precisa ser retroalimentado”, explica o líder mundial do projeto Dados à Prova d’Água.

Futuramente, o app deverá expandir e mapear outros riscos, como deslizamentos de terra e incêndios florestais.

Para isso, os participantes do projeto Dados à Prova d’Água deverão bater nas portas dos governos estaduais e municipais para sugerir uma parceria e expandir as áreas de atuação e inserção de novos dados no app.

O projeto

Dados à Prova d’Água nasceu em 2018 e envolve as Universidades de Glasgow e Warwick, ambas do Reino Unido, além da FGV-SP, Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). A iniciativa conta com o financiamento da Fapesp, do United Kingdom Research Innovation e do fundo Global Challenges Research Fund, financiador da contraparte inglesa. O projeto como um todo custou 1,2 milhão libras.