Ilustração: Cecília Marins

De acordo com relatório recente da Statista, o mercado global de entrega de última milha (ou ‘last mile’, como é conhecido no original em inglês) terá uma receita anual de US$ 128 bilhões neste ano e deve chegar a US$ 200 bilhões até 2027. Se hoje vemos o last mile nas ruas com motoboys e entregadores em carros, qual será o futuro do setor no Brasil? Drones? Carros autônomos? Robôs?

Antes da evolução, a gestão

Vinicius Callegari; GaussFleet; Artigos; indústria 4.0; mineração

Vinicius Callegari, CCO e cofundador da GaussFleet (arquivo pessoal)

Para Vínicius Callegari, CCO e cofundador da GaussFleet, a pandemia do novo coronavírus “acelerou gigantescamente” o desenvolvimento do mercado de última milha, mas antes de chegarmos às tecnologias mais avançadas de entrega e com menos risco ao ser humano, há um trabalho a ser feito: a automação na roteirização.

“A realidade do mercado é que a maioria tem problemas de fazer roteirização estática (para horários e pontos fixos, diferente de roteirização dinâmica, que é flexível). A indústria de logística tem que melhorar o prazo das entregas e as novas tecnologias (de roteiro) precisam atender a demanda. A maioria não atende tão bem atualmente. As pessoas que contratam essas tecnologias e plataformas precisam escolher melhor. Precisa ir além do teleguiado”, diz o executivo.

Callegari afirma ainda que o setor precisa passar por uma transformação industrial, como aconteceu nas finanças e telecomunicações. Mas para isso as empresas do setor necessitam aprender quais são os seus “gargalos e as suas dificuldades”.

“Ainda haverá muitas dessas barreiras. Tem muita fumaça e pouca execução. Antes dessas tecnologias se tornarem comuns, a digitalização ainda é um diferencial que as empresas precisam empregar”, explica.

Drone

Manoel Coelho, cofundador da Speedbird Aero, e seu VANT (crédito Speedbird Aero)

Entre as soluções do futuro, um exemplo é a Speedbird Aero. Em conversa com Mobile Time por vídeo durante sua passagem em Israel para testar seus drones com o governo local, o cofundador da empresa, Manoel Coelho, explicou que tecnologias como o drone que usa para o delivery do iFood e insumos na Natura são para colaborar com o last mile. Mas ele não acredita que o drone não vai tirar carros e motoboys das ruas.

“É uma questão de reestruturar a logística na última milha com inserção de novos modais. Por exemplo, nós fizemos um plano para a cidade de Salvador: 15 pontos de decolagem em um raio de 3 km é o suficiente para cobrir 1,5 milhão de pessoas”, diz Coelho. “Com a casa apropriada e a economia adaptada, o drone é um poderoso aliado na última milha, seja para o medicamento no hospital, um shopping ou restaurante para um cliente”, completa.

Ainda assim, Coelho lembrou de um tema importante após a aceleração do delivery na pandemia: os acidentes automobilísticos. Atualmente, 4% do PIB é afetado por profissionais parados por acidentes, recorda o cofundador da SpeedBird.

Coelho também lembra que seus drones são diferentes daqueles usados para entretenimento, com câmeras que fazem vídeos. Os seus equipamentos são realmente aeronaves na categoria de Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT). A empresa tem três versões com alta robustez e padrões de segurança militar, como paraquedas e redundâncias para falhas de comunicação com GPS. Tanto que a companhia foi a primeira a conseguir a certificação DLV-1 da ANAC nas Américas.

Agora, a companhia trabalha para firmar o seu modelo comercial de Drone as a Service (DaaS). Coelho trata o tema como a “virada de chave” da empresa: “Muito se fala de drone, mas pouco se fala do ecossistema de drone. Não quero que o cliente se preocupe em tirar certificação aeronáutica. Óbvio, o drone é o principal, mas tem APIs, mensagens e rotas”, completa, ao dizer que também quer incluir parceiros para ofertar serviços neste ecossistema.

Além do DaaS, a companhia quer avançar com mais comunicação nos drones. Inclusive está no radar parcerias com empresas de telecom no Brasil e Israel utilizando 5G no modal.

Carro autônomo

Veículo autônomo da Synkar (Crédito: Synkar/divulgação)

Outra empresa que também trabalha com iFood é a Synkar. Ofertando entregas com pequenos carros/robôs autônomos (similar à Amazon nos EUA), a companhia, que atua no Brasil, Canadá, começa a entrar na Irlanda, Portugal e Malásia e tem avançado mais para o apoio ao setor logístico, como explica o seu CEO, Matheus Theodoro.

“Até o final do ano, esperamos ter 200 veículos ativos e 1 mil em 2023. É um ritmo que depende da fabricação e da demanda dos clientes”. “Queremos colocar a nossa tecnologia no dia a dia. Somos canadenses e brasileiros, mas queremos expandir para o resto do mundo, inclusive com fabricação fora do Brasil”, diz o empreendedor.

Assim como a Speedbird, Theodoro caminha para criar um marketplace e trazer mais aplicações para o seu robô autônomo que tem uma IA própria, a SARA. Um primeiro caso é o NoLeak Agatha, uma aplicação de inteligência artificial voltada para o monitoramento de segurança. Feita em parceria com a NoLeak, a aplicação é plugada na SARA e usa os robôs para ajudar no sistema de segurança do local onde atua, como condomínios e indústrias.

Nesse ecossistema planejado pela Synkar haverá o lado do software e do hardware. Ou seja, o cliente poderá contratar por licença os robôs, e adicionar utensílios como braços mecânicos e APIs como o NoLeak Agatha.

Robô hospitalar

Uma outra vertente de last mile que começa a  entrar no Brasil é o robô para hospitais e farmácias, como o Rowa (lê-se ‘ROA’) da BD. Diferente do drone e do carro autônomo, o ROWA fica parado. Ele é um grande armário estático, que fica em um local dentro de uma farmácia, centro de distribuição ou hospital; mas do seu lado de dentro existe toda uma robustez tecnológica como braços robóticos e geladeiras para ampolas.

Entre os locais que estão com o robô ativo no Brasil estão: a Drogaria Soares, no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, que o utiliza como um minicentro de distribuição; o Hospital Oswaldo Cruz, também na Zona Sul da capital paulista; e o Hospital São Vicente de Paula, no bairro da Gávea, Rio de Janeiro.

De acordo com Flávia Contin, líder de negócios para BD no Brasil, a ideia do Rowa é eliminar tarefas repetitivas em uma farmácia ou hospital, como separar, embalar e até checar a data de validade de medicamentos. Com inteligência artificial própria, chamada de Mosaic, o robô pode dinamizar a entrega de medicamentos na última milha, seja com o atendente entregando o pacote ao entregador, ou retirada no balcão.

“Ele é integrado a outros sistemas (ERP, por exemplo) do hospital ou da farmácia. Por exemplo, o consumidor chega com uma receita na farmácia, o balconista digita a receita no sistema, o robô faz a leitura e vai colocar os medicamentos atrás dos balconistas. Essa operação dentro da farmácia leva no máximo 30 segundos. Em um hospital, da mesma forma, o robô é integrado ao sistema do hospital e recebe os pedidos da enfermaria”, explica Contin. “Ele tem algumas tecnologias que devem entrar em breve. Por exemplo: você compra na sua casa, recebe um QR code no celular e tira o medicamento lá. É o caso da drogaria Soares. O cliente faz a compra no app e retira na loja [mas ainda não é diretamente no robô]”, completa.

Feito na Alemanha e montado no Brasil, o robô da BD é ofertado apenas no modelo de vendas e customizado à demanda do cliente. O menor deles – sem geladeira e apenas com um braço mecânico – custa R$ 1,5 milhão. O equipamento pode ficar mais caro a depender dos utensílios e softwares inseridos nele, como esteiras que podem distribuir os remédios nas gôndolas de uma farmácia.

Ainda assim, a demanda é alta e o robô ajuda a trazer valor para farmácias e hospitais, seja na produtividade ou até colocando o equipamento no centro da loja, como relatou a executiva: “Até o fim de setembro, teremos nove clientes com robô no Brasil: são sete farmácias e dois hospitais [o ano fiscal da BD fecha em setembro]. Para o ano que vem é exponencial, pois, no pós-pandemia, a necessidade do atendimento farmacêutico mais humano e aumento da produtividade mais mecânica se intensificou”, analisa Contin.

“Teremos um robô em Gramado, Rio Grande do Sul. O armazém da farmácia dos clientes ficava no fundo da loja, mas o dono colocará o Rowa no centro da farmácia. Portanto, nós fazemos o redimensionamento da loja. Tem uma loja no Paraná que ficará atrás dos balconistas em uma parede de vidro. Quando você propõe para o cliente o robô, ele libera espaço na farmácia em até quatro gôndolas. São clientes disruptivos que gostam de tecnologia. Em Manaus, uma farmácia revelou que diminuiu a fila da loja. E o consumidor dele vai na loja para entender: ‘por que não tem fila?”, conclui.

Globalmente, o Rowa está em 53 países com 11 mil unidades. Desses, 100 pontos de vendas estão na América Latina.