Imagine se a rede de lanchonetes McDonalds resolvesse erradicar a fome no mundo dando os sanduíches Big Mac – e somente ele – a todos que não têm condições de obter alimentação? É bom no início, mas e como fica a vida dessas pessoas após essa dieta restrita e pouco saudável?

Algo semelhante acontece com a oferta do "acesso patrocinado à Internet", em minha opinião. Iniciativas de "walled garden" como o projeto Internet.org, do próprio Facebook, prometem acesso gratuito ao usuário pelo celular, desde que seja à própria rede social e a algumas outras poucas aplicações pré-estabelecidas. Pode parecer bom no início, mas depois fica a certeza de se estar em um ambiente fechado e, acima de tudo, vigiado. Não é gratuito de verdade: a rede social quer dados dos usuários para oferecer publicidade e a operadora quer que eles fiquem tentados a procurar a Internet de verdade (e paga).

Entendo que promover algum tipo de conexão é louvável, mas não acho que seja necessariamente a melhor forma para universalização – até porque universaliza apenas uma parte pequena. O modelo de negócios traz pouco ao usuário em comparação ao acesso pleno e, no longo prazo, contribui mais para uma rede fechada e de muito menor valor. E isso fere sim a neutralidade de rede, prevista no nosso Marco Civil da Internet.

O impacto em infraestrutura de rede das operadoras móveis pode ser menor do que se pensa. De acordo com o simulador de dados da TIM (uma plataforma do site da operadora para que o usuário identifique o melhor plano de Internet móvel), no uso máximo do feed de mensagens de redes sociais (5 Kb por mensagem, 200 no total oferecido) do simulador, gasta-se no máximo 1 MB por dia. Lembrando que o acesso do projeto Internet.org é com interface simples, justamente para consumir ainda menos dados.

Cito aqui o Internet.org por conta de recente acordo entre a presidenta Dilma Rousseff e o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, mas a questão se estende para outras ofertas de aplicações gratuitas em detrimento da rede aberta. Se estiver atrelada a um pacote de dados (por exemplo, 10 MB diário para navegação aberta, mas com o WhatsApp gratuito sem consumir essa franquia), isso pode até não fugir do escopo técnico do Marco Civil, dependendo do entendimento de onde a neutralidade nos pacotes se aplica, mas certamente levanta questões de concorrência. Afinal, privilegiar o tráfego de pacote de dados significa apenas não interferir na sua velocidade ou deixar de bloquear um fluxo em relação a todos os demais?

Admito que não seja uma questão fácil de resolver. Há diferentes interpretações, e parece claro que não há uma verdade absoluta. Talvez a saída, tentando agradar a todos, é deixar sempre tudo às claras ao usuário: não se trata de uma universalização, pois o acesso não é à Internet inteira; a navegação não é puramente gratuita; e o aplicativo não é o único. E nunca, em hipótese alguma, pode haver prioridade no fluxo de pacotes em relação aos demais conteúdos.