“Só pode ser um delírio”. Com esta frase, a professora Dora Kaufman definiu o que pensa sobre a possibilidade de existir um órgão centralizador que regule inteligência artificial no Brasil. “Esta tecnologia é de propósito geral, permeia todas as atividades, e já está presente na nossa vida. Quem seria o regulador capaz de entender de todas as áreas? Não existe. A Câmara e o Senado devem fazer um documento geral que obrigue os órgãos de fiscalização já existentes a incorporarem a área de IA na sua regulamentação”, explica, em conversa com Mobile Time.

Dora Kaufman é professora do TIDD (Tecnologia de Inteligências e Design Digital) da PUC-SP, e estudiosa sobre os impactos éticos e sociais de IA. Ela tem sido convidada regularmente para debater o assunto no Congresso Nacional, que atualmente discute o PL 21/2020, proposta que regulamenta o desenvolvimento e o uso desse tipo de tecnologia no País, e tramita em regime de urgência, podendo ser votada a qualquer momento no Plenário.

 “O que temos até aqui é uma carta de intenções, um documento inócuo, generalista. Um projeto de lei deve ser claro, preciso, pois ele é a base para um julgamento. Não dá pra dizer ‘vamos seguir as práticas internacionais’, se essas práticas sequer existem ainda”, disse Kaufman.

Segundo ela, a única regulação de inteligência artificial existente no mundo atualmente vem da União Européia, um documento que demorou quatro anos para sair e, ainda assim, para Kaufman, traz uma série de problemas. “É um trabalho de 108 páginas, a partir de anos de estudos e discussões com sociedade e especialistas. Mas há muitas deficiências. Ele é vago, impreciso, idealista e, em muitos aspectos, incompatível com a natureza da tecnologia. Quase 0% de probabilidade de ser um Marco Regulatório”, afirma ela – lembrando que o projeto que tramita na Câmara tem apenas sete páginas.

A professora chama a atenção para a necessidade dos reguladores estudarem o tema e entenderem melhor a tecnologia por meio de simpósios, congressos, e outros aprofundamentos. Isso pode demorar anos. “Compreendo a iniciativa do PL, mas há uma confusão de conceitos. Os reguladores precisam de tempo para entender do que se trata. Ouvimos de parlamentares expressões como “não entendo nada disso…”.

De acordo com Kaufman, o PL deve sair do geral, e entrar nas particularidades do tema. “Inteligência Artificial hoje em dia tem especificidades. Não tem como ela ser transparente, por exemplo. A cognição humana não tem capacidade de entender a maneira como os algoritmos correlacionam elementos de dados. Isso é uma restrição, e há um esforço enorme no mundo para mitigar essa opacidade. Portanto, o ponto é: deve-se entender a tecnologia antes para tomar medidas a partir daí”, destaca.