A secretária de informação e saúde digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad, informou que o aplicativo Meu SUS Digital (Android, iOS) está atualmente com 29 milhões de usuários mensais ativos (MAUs) no País. Em conversa exclusiva com Mobile Time, a especialista afirmou que o app figura constantemente entre os três mais baixados na categoria de saúde dentro das lojas de apps no Brasil.
Durante o lançamento da iniciativa Arca na última sexta-feira, 12, Haddad falou sobre outros temas da saúde digital, como compartilhamento e interoperabilidade de dados (open data), soberania de dados e o uso de inteligência artificial no setor público com foco em saúde.
Confira a entrevista abaixo:
Mobile Time – Secretária, em entrevista anterior concedida para esta publicação a senhora falou sobre o SUS Digital ser a porta de entrada para a transformação digital da saúde no Brasil, inclusive com a carteira como a plataforma única do brasileiro em saúde. Como está esse processo hoje?
Ana Estela Haddad – A primeira coisa que nós precisamos entender é: claro que ser o app único é ótimo, mas tem um caminho alternativo para estados e municípios que estão com os seus próprios aplicativos. Nós podemos estabelecer a interoperabilidade dos sistemas. Se conseguirmos estabelecer essa interoperabilidade e esses dados estarem espelhados tanto no aplicativo do estado quanto no Meu SUS Digital, nós resolvemos essa questão. Porque o mais importante é rompermos as fronteiras de estado e de município, mas também do público e do privado para que o paciente tenha seus dados de qualquer forma. Então, a garantia de estar no Meu SUS digital é por ele ter uma abrangência nacional.
Esse processo de dados no app valerá para fora do país? Ou seja, o paciente poderá levar seus dados para fora?
Em breve com o International Patient Summary (IPS) vai ter um alcance (internacional). Não de todas as funcionalidades e todos os dados, mas de um conjunto mínimo de dados que garantirá um atendimento com continuidade e seguro, seja onde for, inclusive fora do país.
Como está a base de usuários do app hoje?
No último mês que medimos [é um dado que pode oscilar de mês a mês] eram 29 milhões de usuários ativos e 60 milhões de downloads.
E o processo de compartilhamento de dados dos estados para o ecossistema do SUS? Durante sua palestra no Arca, você revelou que a Rede Nacional de Saúde tem 2,9 bilhões de dados, algo que foi ampliado por conta dos dados de testes de Covid, exames laboratoriais e de vacinas.
Nós conseguimos em praticamente todos os estados. Na maioria ou está automatizada a interoperabilidade ou está em andamento com providências tecnológicas para fazer a descarga de dados. Portanto, nós temos praticamente todo o país pronto. Salvo engano, são dois estados que estão em andamento, mas a gente pode considerar essa questão vencida que é a interoperabilidade dos sistemas de regulação.
Qual o objetivo desse compartilhamento? Como esses dados serão usados?
Não é tudo que está compartilhado. É a regulação para a gente conhecer a fila e saber onde está a fila para o atendimento especializado. Hoje, o paciente quando sai da atenção primária precisa de um exame ou de uma consulta especializada. Com isso ele entra na fila de regulação. É para isso que nós temos um sistema que é o SISREG, um sistema do Ministério da Saúde de longa data, antigo. Do SISREG, a gente avançou para um novo sistema mais moderno, que é o e-SUS Regulação. O e-SUS Regulação já nasceu interoperável com a RNDS.
Pode dar um exemplo de um estado que migrou para o e-SUS?
Recentemente, o Mato Grosso do Sul usava um sistema comprado. Conversamos com eles e explicamos: ‘olha, se vocês usarem o e-SUS Regulação primeiro, vocês não vão gastar mais com isso. É bom ter equipe de TI para apoiar e tal, mas não tem mais gasto comprando o sistema, desenvolvendo funcionalidade’. Com isso, eles (MS) resolveram e vão migrar para o e-SUS Regulação. Mas mesmo os estados que têm sistema de regulação proprietário, que não são os do SUS, nós conseguimos trabalhar com as equipes do Datasus (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde) nos estados e em reuniões online. E com isso eles já conseguiram construir sob supervisão do Datasus essa interoperabilidade.
Na prática, como fica essa interoperabilidade?
O Datasus quando trabalha com essas questões publica os modelos de interoperabilidade. Então, nós temos um portal de serviço do Datasus onde os modelos estão publicados. Dessa forma, mesmo quem tem sistema privado, se tiver interesse, o estado pode adotar os mesmos padrões para troca de informação. Se os mesmos padrões forem adotados, a interoperabilidade se torna uma questão vencida. Tem todo o regramento ali, um passo a passo no portal de serviços do Datasus no Ministério da Saúde. E a gente adota o padrão FHIR HL7 que ainda não está tão disseminado entre os desenvolvedores. Mas estamos para falar com Jussara (Rötzsch), a presidente do HL7 Brasil. Estou para marcar uma reunião com ela semana que vem para pensar em uma proposta de capacitação em larga escala e como podemos avançar.
Um outro tema da sua palestra foi um acordo da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANSS) com o Ministério da Saúde para ter interoperabilidade de dados dos planos de saúde para a RNDS. É um começo para caminharmos ao open health no Brasil?
É importante esclarecer, que (o acordo) é só para recebermos os dados. E o que norteia para nós o uso dos dados é o interesse do paciente. Portanto, o paciente deve ter os seus dados de saúde; o profissional, no contexto de atendimento, ter os dados do paciente para um atendimento com continuidade e seguro; e o gestor ter os dados em um nível de agregação necessário para sua tomada de decisão. Isso não implica em uma transferência de dados ou em uma disponibilização de dados para o setor privado. Mesmo neste ambiente, nós trabalhamos com uma política de dados abertos, mas são dados anonimizados para o uso com vigilância para orientar a políticas públicas, para a própria população ter acesso aos dados de saúde e para pesquisa. E a gente deve trabalhar uma normatização para o uso de dados para pesquisa. Mas tudo isso em alinhamento com a Lei Geral de Proteção de Dados e com as orientações e diretrizes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
Um outro tema apresentado em sua palestra foi sobre soberania de dados. Sabemos que o governo brasileiro está com um movimento de ter uma nuvem soberana e reter dados estratégicos no Brasil. Mas queria entender como o Ministério da Saúde está se posicionando sobre esse tema? Planejam ter uma nuvem própria do Ministério?
Nesta questão da nuvem, nós estamos discutindo uma estrutura de governo como um todo. Ou seja, nós estamos trabalhando nessa transição para participarmos da nuvem do governo junto com Dataprev e Serpro. Inclusive, nós temos um decreto que estabelece a infraestrutura nacional de dados que está sob coordenação do Ministério da Gestão e da Inovação (MGI). Então, a gente trabalha integrado com o MGI e por estarmos integrados com eles via Gov.br (Android, iOS) temos uma maturidade perto de outras áreas do governo. Temos uma maturidade com RNDS, mas, ao mesmo tempo, a ideia é termos todos os dados cadastrais, para que facilite a vida do cidadão e para que ele não preencha dez vezes os dados (em cada acesso). Uma integração que tem na Estônia, por exemplo. É bem difícil, mas estamos trabalhando integrados com o resto do governo (federal). Também vai ter integração com a Carteira de Identidade Nacional (CIN).
Em inteligência artificial, hoje o Ministério da Saúde tem projetos em curso? Algoritmos ou aplicações com IA em testes?
Durante a apresentação citei dois, pois não queria fazer uma apresentação muito extensa. Mas temos uma série de projetos financiados pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico Industrial da Saúde (Sectics). Ao mesmo tempo, nós temos diretamente na nossa equipe do Departamento de Monitoramento e Avaliação e Disseminação de Informações Estratégicas de Saúde (Demas) em parceria com diferentes áreas do ministério e já estamos criando modelos e aplicando de forma experimental para testar a viabilidade. Alguns são projetos que estão sendo feitos diretamente dentro do Ministério e outros, em parceria com instituições de ensino público.
Pode explicar alguns desses cases?
Um dos exemplos é a compra centralizada de medicamentos. Nós temos mais ou menos 151 medicamentos que são comprados de forma centralizada pelo Ministério. Temos que comprar muitas vezes com um ano de antecedência. E existem variações sazonais, regionais e queremos comprar com o máximo de economicidade e o mínimo de desperdício, inclusive considerando o desafio do descarte seguro de medicamentos. Então, quanto menos a gente precisar descartar, melhor. Hoje estamos testando essa aplicação com diferentes tipos de algoritmos e chegamos em uma precisão de previsibilidade (de compra) de 82% com economicidade. Um outro teste é com processos judiciais. A judicialização na saúde é crescente. Hoje tem várias políticas que tentam sanar essa questão. Mas temos um passivo de processos muito grande. E esses processos são imensos com muitas páginas técnicas para ler. Com grandes modelos de linguagem (LLM) estamos testando transformar uma linguagem não estruturada, que é a dos processos, em uma linguagem estruturada. Isso está acontecendo com sucesso.
Tem algum outro projeto que a senhora possa comentar que tenha IA?
Um projeto que é o meu xodó é um prontuário falado com inteligência artificial generativa que está sendo desenvolvido com a Universidade Federal da Paraíba. Por exemplo, na teleconsulta, se você mantiver o olhar conectado com o paciente é muito importante, porque ele não está vendo qunado o médico está anotando. O observar durante a consulta é muito importante. O fato de você não ter que se preocupar poupa tempo.
De forma geral, como você vê o uso de IA na saúde?
Usar a inteligência artificial, de uma maneira geral, em tarefas que podem ser automatizadas e que possam salvar o tempo do profissional de saúde para as tarefas mais nobres, é algo muito bom. Há algoritmos bem construídos, com banco de imagens bem controlado. Há muitos centros de diagnóstico trabalhando com o diagnóstico por IA para imagem.
Com esse arcabouço, o Ministério da Saúde planeja ter seu próprio LLM?
É claro que para escalarmos (as cargas de trabalho), nós vamos precisar planejar uma ampliação da nossa infraestrutura. Nós não temos toda a capacidade que precisamos para escalar ainda. Por isso, estamos trabalhando junto com Dataprev e Serpro, pensando na nuvem de governo e integrado ao PBIA, para aproveitar os investimentos do PBIA.
Imagem principal: Secretária de informação e saúde digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad (crédito: Henrique Medeiros/Mobile Time)