Hoje, existe uma estrutura legal na qual plataformas digitais, apesar de terem mais poder do que qualquer empresa de telecomunicações, veículo de mídia ou até o mesmo o próprio Estado brasileiro, têm um salvo conduto para fazer o que quiserem no ambiente digital sem serem responsabilizados. Essa é opinião de Carlos Baigorri, presidente da Anatel, ecoada por conselheiros da agência e por Maximiliano Martinhão, secretário de telecomunicações do Ministério das Comunicações (MCom).

Para Baigorri, as plataformas digitais ganharam um tamanho tão grandes que a sociedade brasileira, os consumidores e o Estado brasileiro começam a se incomodar, pelo fato de existir um agente com tanto poder, mas sem nenhuma responsabilidade, já que na sua leitura isso está expressamente previsto no Marco Civil da Internet, no artigo 19. “Eu entendo que responsabilidade e poder são um binômio. Se você tem poder, tem que ser responsável pelo poder”, afirmou no III Simpósio Telcomp, em Brasília, nesta terça-feira, 20.

“Chegamos num momento em que o desafio está no que era antes a margem do mercado de telecomunicações, porque, quando foi feita a Lei Geral de Telecomunicações [LGT], o grosso do sistema eram as redes, e existiam alguns serviços adjacentes, quase marginais, em que acontecia a prestação do que era o Serviço de Valor Adicionado [SVA]. Com a Internet, a evolução desse ecossistema, o mercado de telecom já não é mais o principal. Esses SVAs se transformaram em outras coisas que hoje são grandes, até maiores que o próprio contexto das telecomunicações. Estamos falando de Google, Facebook, OTTs, big techs. Na LGT são considerados SVAs”, explicou.

Uma mudança tão significativa no contexto, segundo Baigorri, suscita uma reflexão sobre o reposicionamento do papel do Estado, no que diz respeito ao endereçamento dos desafios desse ecossistema. Ele acredita que é necessário entender as telecomunicações não como uma indústria específica, mas sim num contexto mais amplo de um ecossistema digital. Ele lembrou que essas aplicações de Internet ainda estão à margem do processo regulatório. Nos últimos 25 anos, mesmo com mudança no contexto regulatório, a LGT sempre conseguiu se adaptar a essas mudanças.

“Chega-se a um limite hoje, de que começamos a enfrentar literais paradoxos regulatórios”, analisou. “Chegou o momento de a gente fazer essa grande reflexão sobre esse reposicionamento, não da Anatel. É muito mais o Estado que precisa fazer essa reflexão de como vai abordar. Qual vai ser seu posicionamento diante desse contexto que vem trazendo cada vez mais desafios?”, questionou.

Maximiliano Martinhão, secretário de telecomunicações do MCom, aludiu ao tom do encontro entre as principais operadoras do mundo realizado na última edição do Mobile World Congress (MWC), em Barcelona, na Espanha, em 2023. Elas disseram que a rentabilidade do negócio não é aquela necessária para fazer investimento em infraestrutura. A margem do negócio está ficando com quem se utiliza dessa infraestrutura. “Precisamos repensar esse modelo. Há necessidade trazer aqui para o Brasil o debate sobre a questão do fair share, que está sendo discutida no mundo”, pontuou.

“Temos uma operadora no Brasil que tem mais de 150 milhões de usuários e não é regulada. Não comprou um espectro e faz serviço móvel. Temos quatro grupos nacionais e as regionais agora que são profundamente reguladas. Se estamos falando de regulação de Internet, é esse modelo que queremos?”, exemplificou. “Uma operadora recebe uma notificação judicial para prover informações para o judiciário. Essa outra operadora que é maior que todas as outras, em números usuários, se vale do artigo 19 do Marco Civil. Aquelas que são reguladas pela Anatel pela LGT atendem prontamente à solicitação”, disse.

Martinhão lembrou que as 10 maiores plataformas do mundo no Brasil, juntas, têm 800 milhões de acessos no País. “São serviços muitas vezes substitutos econômicos dos serviços tradicionais de telecomunicações”, afirmou.

O conselheiro da Anatel, Artur Coimbra, por sua vez, lembrou que o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) poderia ser aplicado, a rigor, a qualquer mercado. Hoje, ele está estruturado para o mercado de telecomunicações, mas pode se voltar para outros. Ainda assim, ele argumentou que telecomunicações e plataformas digitais são de mercados de naturezas diferentes. O risco e a taxa de mortalidade no mercado digital é maior do que no mercado de telecomunicações, assim como o grau de inovação. “Isso tudo vai calibrar um pouco o tipo de regulação”, acrescentou.