O assessor jurídico do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) e especialista em direito eleitoral Alexandre Basílio acredita que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está “perdendo a mão” na proposta de uso da inteligência artificial nas eleições municipais de 2024, pois “está proibindo o uso da tecnologia e não o seu fruto”.

Em evento organizado pelo Peck Advogados, Basílio apontou uma análise sobre os impactos da IA e de técnicas como deep fake no pleito eleitoral. Em sua visão, o desconhecimento do TSE sobre a IA bloqueará o acesso de candidatos a soluções que podem colaborar na relação com o eleitor, como criação de vídeo com ferramentas ágeis e até correção de vídeo gravado.

“O judiciário, por falta de traquejo com as dificuldades da tecnologia, está impedindo que a gente consiga evoluir. Pode ser que nós tenhamos aí vários anos de ‘Red Flag Law’, o que impedirá o desenvolvimento da tecnologia e o barateamento das campanhas exatamente em razão dessa visão”, explicou, ao lembrar das leis que colocavam limites ao uso de carros na Inglaterra no final do século XIX que ficaram conhecidas como ‘Red Flags’.

Em sua visão, a Resolução 23.610/2019, que propõe mudanças à lei eleitoral ante os avanços da tecnologia, deveria ser mais específica. Um exemplo está no artigo 9º, trocando “conteúdo sintético” por “rede generativa adversária”. “O ideal seria que ele dissesse rede generativa adversária. Se coloca ‘conteúdo sintético’ fica aberto, genérico. Se o legislador nem entende a tecnologia, fica difícil controlá-la. Traz insegurança jurídica”, completou Basílio.

Vale lembrar, o TSE realiza nesta semana uma rodada de audiências públicas sobre as minutas de alteração na legislação eleitoral. Na próxima quinta-feira, 25, a Corte Eleitoral discutirá o uso da IA dentro do painel ‘propaganda eleitoral, representações e reclamações, ilícitos eleitorais’.

Basílio lembrar que o artigo 57-J da Lei das Eleições (9.504/2007) permite que o TSE tenha caráter de regulador, vide:

O Tribunal Superior Eleitoral regulamentará o disposto nos arts. 57-A a 57-I desta Lei de acordo com o cenário e as ferramentas tecnológicas existentes em cada momento eleitoral e promoverá, para os veículos, partidos e demais entidades interessadas, a formulação e a ampla divulgação de regras de boas práticas relativas a campanhas eleitorais na internet.

Deep fake

Pelo lado dos riscos e da aplicabilidade da IA, o especialista do TRE-RS explicou que há sete passos para combater golpes com deep fakes nas eleições:

  1. Aceitar que haverá desinformação e, assim, usar monitoramento de redes (ORM – Online Reputation Management no original em inglês), uma IA para varrer a rede em busca do local original onde o vídeo falso foi publicado. “Muitos candidatos com alto poder aquisitivo estão usando. Custa na faixa de R$ 50 mil a 180 mil por mês”, disse Basílio.
  2. Analisar a publicação em busca de metadados para saber mais informações sobre o criador da fake news
  3. Localizar o vídeo original, utilizado como base para a montagem, e, em seguida, demonstrar a falsidade em juízo para o deferimento das liminares. Isso acontece ao mostrar falhas em três dimensões, pois os algoritmos não trabalham com objetos 3D;
  4. Solicitar as devidas quebras de sigilo para obter informações sobre a autoria a partir do local onde ele foi originalmente postado (IP, local do IP e NAT – Network Address Translation). Isso demanda peritos e hackers éticos;
  5. Localizar, de imediato, onde mais o vídeo foi publicado e pedir sua remoção;
  6. Informar a todas as demais redes sociais sobre conteúdo ilícito e exigir sua cooperação, em razão da função social dos novos meios de comunicação;
  7. Usar o marketing da campanha para que o fato seja esclarecido, inclusive com apoio da mídia tradicional.

“Nós temos vários desafios com a IA. A questão não é vencer as fake news, mas conviver com elas e usar as vacinas certas”, concluiu o especialista.

Imagem principal: Alexandre Basílio, assessor jurídico do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) e especialista de direito eleitoral (reprodução: Peck Advogados/Teams)