Então tudo bem, após os eventos de 8 de janeiro há um consenso de que temos que regular melhor as formas de comunicação online, em especial no ambiente das redes sociais e apps de mensageria, onde há intensa disseminação de informações e notícias falsas (as conhecidas fake news).

Vamos por um momento assumir que sabemos definir muito bem o que são redes sociais e que a regulação vindoura está claramente estabelecida para que grandes ambientes online tenham mais responsabilidade do que pequenas redes ou comunidades estabelecidas fora dos ambientes mais comuns de organização social (atualmente, Facebook, Instagram, LinkedIn, Twitter, TikTok e Kwai). Estas empresas, por seu poder gravitacional e efeitos de rede em congregar mais pessoas, teriam maiores responsabilidades e deveres de conduta em relação a temas de proteção a crianças, combate à pirataria, combate a conteúdos falsos, inclusive má publicidade ou publicidade deceptiva e enganosa, além de condutas mínimas que deveriam ser observadas para evitar o crescimento de ervas daninhas em suas plataformas, muitas das quais já são aplicadas por algumas redes sociais no País, mas nem todas. A regulação destas condutas em lei obrigaria todas elas em tese a incrementarem suas políticas e melhorarem seus controles para evitar as penalidades que viriam da legislação.

Por fim, estas redes seriam também reguladas de alguma maneira e em algum nível por órgãos de Governo como a Anatel e a Agência Nacional de Proteção de Dados – ANPD, além do Judiciário, quando provocado.

Este seria o consenso mínimo que temos atualmente. E ele não é novo, nem exclusivo do Brasil.

Há alguns anos o Reino Unido tenta implementar sua Online Safety Bill, acelerada após a saída da União Europeia, com o declarado intuito de liderar a discussão sobre melhores regras para os ambientes online. O trauma inglês decorre do próprio Brexit, uma das decisões mais críticas da história recente do bloco de países e que foi fortemente influenciada por – wait for it – notícias falsas. A intenção do Parlamento inglês nada mais era do que evitar novos eventos em que a população é vítima de disseminação massiva de fake newsque possam influenciar os rumos do Reino. Seus percalços foram um aviso ao mundo sobre o poder destrutivo desta prática, que hoje já influenciou a política norte-americana, brasileira, turca, russa, israelense, enfim, a lista é grande. E só aumenta.

Atualmente, a história nos mostra que as respostas legislativas no Reino Unido foram criadas inicialmente para dar uma resposta à sociedade em como controlar e minimizar a disseminação de fake news, evitando que a população erroneamente tomasse qualquer tipo de decisão. A proposta de legislação, contudo, caminhou rapidamente para abranger uma série de problemas da vida online, envolvendo desde o combate à pornografia infantil como a publicidade online, temas tão díspares entre si que só possuem em comum o fato de ocorrerem em nossos mundos virtuais.

Ainda assim, o projeto de lei foi em frente e agora o Reino Unido discute se suas disposições sequer são aplicáveis, com o projeto de lei aguardando na Câmara dos Lordes (similar ao Senado no Brasil), e sendo criticado, tanto à direita quanto à esquerda do espectro ideológico, por criar tantas regras subjetivas e de difícil aplicação ou consenso que a aplicação da lei é impossível ou inócua. Em resumo, já diagnosticaram que a o projeto de lei, como está, não pegaria, para ficarmos no bom jargão tupiniquim.

Os problemas do projeto do Reino Unido, atualmente, podem ser diagnosticados em duas frentes, uma geopolítica e uma regulatória. No âmbito geopolítico, já se sabe que qualquer legislação do ambiente online, por um país ou região, só terá importância suficiente se for destinado a uma população consideravelmente relevante. Como as plataformas são globais e trabalham atendendo a milhões de pessoas, a regulação de centenas de milhões de pessoas tem relevância, a regulação de algumas delas, não. No caso específico do Reino Unido, com 53 milhões de seus habitantes online (segundo dados da OFCOM, a Anatel inglesa), há alguma relevância, mas não tanta quanto no Brasil, onde somos incríveis 152,7 milhões online, ou 73% da população, segundo dados de 2021.

Neste cenário, blocos de países como a União Europeia e seus quase 450 milhões de membros ou países com populações de clientes relevantes para as empresas, como China, Índia, Estados Unidos, Brasil e Rússia, possuem muito mais relevância no momento de regular a Internet ou partes dela, do que países de população média, como o Reino Unido. A tentativa inglesa de regular estas questões tinha o claro intuito de colocar o bloco de países na liderança sobre as discussões do tema, mas o momento foi perdido após todas as mudanças no projeto original, além do resultado final da proposta legislativa, que endurece demais o ambiente para quaisquer empresas que queiram prover serviços de redes sociais e comunidades, não só as grandes, arriscando a atratividade do país para novas iniciativas na economia digital.

Já os problemas regulatórios dizem respeito à falta de foco e à tentativa de criar uma lei abrangendo todo tipo de problema online de uma só tacada. O Brasil também foi vítima deste problema de boas intenções, por assim dizer, tendo perdido anos nas discussões do finado projeto de lei Azeredo, que criminalizava condutas online antes de sequer termos direitos civis mínimos no ambiente digital. Felizmente, o projeto culminou com a Lei Carolina Dieckmann, que (apenas) criminaliza a invasão de dispositivos eletrônicos, com a proeminência do Marco Civil e sua aprovação anos depois, também na esteira dos escândalos de 2013, denunciados por Snowden.

Quanto aos temas a serem regulados e as armadilhas na regulação de conteúdos, este que lhes escreve já expôs suas preocupações sobre o tema em artigo neste mesmo espaço.

Em termos legislativos, o Brasil já sofre com este ciclo de açodamentos, tentando regular o ambiente online toda vez em que nos deparamos com escândalos, tentando (acertadamente) dar respostas sociais a problemas complexos. Como podemos ver, a prática não nos é exclusiva.

E por isto mesmo, cabe agora, mais do que nunca, o alerta para que não sejamos também vítima de peças legislativas criadas no momento da ansiedade, logo após termos sentido os efeitos destrutivos dos mundos paralelos criados pelas fake news. Precisamos, sim, exigir mais respostas dos ambientes online onde vivemos boa parte de nossos dias, mas de forma racional e pouco emotiva. O momento é de digestão de tudo o que nos passou e como seguimos daqui em diante, sabendo que a realidade, em nosso século, é infelizmente mais fluida.