[Matéria atualizada em 07/03/2022, às 18h10 com correção de fonte do WhatsApp] O desenvolvedor brasileiro Paulo Chester Pelegrini está acusando a Meta (ex-Facebook) e o WhatsApp de terem roubado uma patente sua para criar a API do WhatsApp Business, produto lançado em 2018 para grandes marcas se comunicarem com seus clientes. Por sua vez, o WhatsApp nega e afirma que o developer teve apenas uma ideia e não a executou.

Em conversa com Mobile Time, Pelegrini explica que desenvolveu a patente da tecnologia entre 2008 e 2015 e a batizou como GowNow app. A concepção do developer inicialmente foi oferecida por meio de uma mensagem enviada pelos Correios para a equipe do app de mensageria, em 2016. Além disso, em 2017, o autor da patente participou de um concurso para startups em Israel e negociou o desenvolvimento do app com um fundo do Oriente Médio. Neste período, Pelegrini apresentava a concepção do GowNow por meio de um blog.

“Quando mandei a proposta tinha um blog com o simulador da tecnologia para atrair investidores-anjo, além da descrição da patente. Ele é um algoritmo produzido em linguagem natural, protegido por propriedade intelectual, e escrito em organograma”, diz o acusador. “Mandei toda a tecnologia ao Facebook: link, simulador, material auxiliar e a própria tecnologia. Tem prova de recebimento via Correios. Quando eles lançaram o WhatsApp e apresentaram em notícias essas funcionalidades, percebi que todas elas estavam presentes do GowNow”, conta.

O desenvolvedor esclarece que esta não é a primeira ação de disputa de patente que trava. Criou obras como manual eletrônico usado por indústria de eletrônicos e automobilística, um sistema de pagamento de boleto via celular, entre outros. Sem entrar em detalhes, Pelegrini explicou que tenta negociar um acordo de uso de patentes, entra com ação judicial para negociar e, se não der certo, tenta ganhar na Justiça.

Atualmente o processo está nas etapas iniciais no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) na comarca da capital. Pelegrini e sua equipe acreditam na possibilidade de acordo com o WhatsApp.

Técnicos

Com a patente registrada na Biblioteca Nacional do Brasil e no US Copyright Office dos Estados Unidos, Pelegrini pede um ressarcimento de US$ 2,5 bilhões pelo uso indevido da patente com base no montante que não ganhou com a obra. Para comprovar que a tecnologia foi usada pelo WhatsApp, Pelegrini contratou o escritório de advocacia Fujita Advocacia e Dottori Sociedade de Advogados – especializado em disputa de patentes – e as peritas Fernanda Casagrande e Maria Luiza Egea para apresentar o laudo técnico-econômico.

Os advogados Jorge Fujita e Leandro Dottori responderam a esta publicação que a partir da análise efetiva de toda a documentação apresentada pelo acusador foi possível “comprovar todas as informações prestadas” por Pellegrini. Eles baseiam a defesa da ação na Constituição Federal (Cap. I – Dos Direitos e Deveres individuais e Coletivos, art. 5°, incisos XXVII e XXVIII, alínea “b”), na Lei de Proteção da Propriedade Intelectual de Programa de Computador, também conhecida como a Lei do Software (Lei nº 9.609/1998) e na Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998).

No laudo técnico, Egea explica que várias funcionalidades da patente do GowNow foram encontradas na API do WhatsApp Business, como buscas empresariais online-offline, histórico de compras, botão de favoritar, penalidades e limitações para demora na resposta de mensagem automatizada e conta comercial com geolocalização. Por sua vez, Casagrande afirma que o valuation (valor pedido na ação) considera os dados financeiros da compra do WhatsApp até os dados mais recentes da companhia em finanças e usuários, algo que é baseado no seguinte cálculo: o valor da compra do WhatsApp pelo Facebook em 2014, entre US$ 16 e US$ 22 bilhões, o que daria US$ 1,5 bilhão em receita anual perdida pelo autor, se considerar o quanto ele ganharia com sua solução; o valor de ativos operacionais da companhia na época da elaboração do relatório, US$ 898 bilhões ou US$ 255,29 por usuário; usuários totais do Facebook, 2 bilhões; e a proporção distribuída de usuários das plataformas.

Outro lado

Biblioteca Nacional do Brasil e no US Copyright Office dos Estados Unidos

Registro da patente do app GowNow nos Estados Unidos

Procurado por Mobile Time, o WhatsApp explicou em resposta por e-mail o serviço WhatsApp Business foi concebido de maneira “autônoma e independente” e não se confunde com a obra do autor, que é “um esboço de um plano de negócio sem originalidade e ausência de legitimidade passiva” do Facebook Brasil.

Afirmam ainda que a defesa de Pelegrini correlaciona as funcionalidades descritas com outros aplicativos já existentes no mercado, que apresentam as características mencionadas, “incluindo o próprio WhatsApp, Skype, Google Search Engine, Google Now, iFood, PagSeguro, PayPal, entre outros, deixando clara a ausência de originalidade, até mesmo do ponto de vista do Autor”.

”A mera ideia de monetizar um aplicativo de mensagens, facilitando a comunicação entre empresas e usuários, a partir da replicação de recursos que eram utilizados no mercado por outros provedores de aplicação – o que é informado pelo próprio Autor – não concede ao autor o direito de receber qualquer compensação por supostos ‘danos’ suportados”, diz a empresa em resposta. “Na verdade, o desenvolvimento do WhatsApp Business resultou do aplicativo WhatsApp, que precede a obra do Autor. O autor não comprovou ter sofrido qualquer dano, sendo que a sua concepção abstrata de ‘inovação tecnológica GowNow’ não lhe confere qualquer direito de ser indenizado”, completa.

Outros pontos que o time do app de mensageria defende são:

  • A não inclusão do Facebook Brasil no processo. Por se tratar de uma demanda de natureza cível, e não trabalhista e/ou consumerista, a justificativa para a inclusão do Facebook Brasil da parte dos advogados de Pelegrini é improcedente e viola o artigo 49-A do Código Civil. Na visão da companhia, o pedido de inclusão do Facebook no processo “é ilegítimo”, pois o WhatsApp Business foi desenvolvido em outra empresa (WA LLC – WhatsApp).

    Nota do editor: a justificativa para a inclusão do Facebook é de que o valuation do processo é baseado em dados financeiros da mídia social.

  • Que o direito autoral não se presta a proteger ideias, sistemas, métodos ou planos de negócio, conforme precedentes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ – e.g. Resp 1338743/RJ). O direito autoral protege obras científicas, artísticas ou literárias.

  • A Certidão de Registro na Biblioteca Nacional da obra usada como prova diz que “a proteção do direito autoral recai sobre a literalidade da obra apresentada a registro, excetuada(s) a(s) ideia(s) e/ou proposta nela expressa(s)”. Além disso, a certidão cita que a Lei de Direitos Autorais estabelece não serem objeto de proteção como direito autoral as simples ideias, métodos, projetos, esquemas e planos de negócios.

“Não há quaisquer evidências nos autos de que a ideia do Autor tenha sido implementada. O material cuja proteção é invocada pelo autor corresponde a um texto com alguns esquemas que não saíram do papel. Portanto, a mera ideia descrita pelo Autor não é sequer protegida pelo direito autoral ou como um programa de computador – uma vez que, até o momento, não há qualquer código-fonte que possa ser analisado e comparado com o WhatsApp Business”, conclui.

Análise externa

Nesta disputa de patente, Mobile Time ouviu o advogado Lucas Patto, sócio da PG Advogados. O especialista explicou que a ação de Pelegrini está bem “embasada” e que “o lapso temporal dá amparo” ao autor. Contudo, acredita que o valor estipulado foi alto e que isso pode inviabilizar a disputa. Dito isso, afirma que não consideraria o valor da transação do WhatsApp para o Facebook, mas sim quanto o criador da patente realmente deixou de ganhar.

Outro ponto de atenção foi a comunicação que Pelegrini teve com o Facebook/WhatsApp e a divulgação de seu projeto: “Esse critério de registro de marca é uma análise séria. Ele precisa demonstrar e comprovar que está criando um produto novo. Ou uma melhoria significativa de algo que existe; uma inovação propriamente dita. Os documentos mostram que ele criou algo”, conta.

“O autor divulgou essa criação. Colocou em um blog, mandou para outras empresas e demonstrou em Israel. Ele deu uma publicidade para esse produto e precisaríamos entender melhor essa comunicação, pois pode trazer prejuízos para o autor da ação. Por exemplo, a partir do momento que você tira uma foto e coloca no Google – em uma ferramenta pública -, isso se torna público e o que é público não tem mais dono. Mas se ele fez a divulgação, sem o código-fonte, o autor protegeu seu direito autoral ”, explica.

Mais uma ressalva é o registro da patente no US Copyright, uma vez que o meio tradicional usado para registrar essa tecnologia seria o USPTO. Para Mobile Time, Pelegrini conta que a lei de direitos autorais permite que ele inscreva a obra protegida por direitos naturais, similar a uma planta de engenharia civil. Por sua vez, Patto explica que o registro no USPTO poderia dar “mais segurança jurídica global”. Por outro lado, relata que como a defesa do GowNow é baseada na Lei 9.609, de 1998, em teoria, o termo patente não pode ser usado, por isso a obra não foi inscrita como patente nos EUA, mas sim como Copyright.

Por fim, o advogado estima que a disputa – se correr trâmite e análise – deve demorar ao menos dez anos, um prazo similar à disputa da Apple com a Gradiente, que é uma referência do setor.