O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, fez uma provocação para representantes do setor de utilities presentes na UTCAL 2024 na última quarta-feira, 11, no Rio de Janeiro: por que não usar um operador neutro que oferecesse serviços de telecom para essas empresas de forma unificada? No caso, os custos poderiam ser divididos de forma justa e o serviço teria manutenção feita pelo operador neutro.

“Não sei se faz sentido cada distribuidora ter sua própria rede de telecom para coletar dados. Uma rede própria gera valor, mas também muitos custos e riscos. E eles são multiplicados se não houver uma operação de escala significativa”, disse o presidente da agência reguladora.

Entre os custos estão: espectro, core de rede, equipamentos (e isso inclui homologação e certificação), gestão da faixa junto à Anatel, equipe regulatória interna na empresa e um DPO para estar em conformidade com a LGPD.

“O Opex vai custar sempre e não vai ter receita gerada que cubra este Opex. Importante pensar nos riscos que isso traz”, afirmou.

As utilities podem usar as faixas de 410 MHz, 450 MHz, entre outras. Em fevereiro deste ano, a Anatel aprovou os requisitos técnicos e operacionais para o uso das faixas de radiofrequência destinadas ao serviço limitado privado (SLP) que dá preferência de utilização destas bandas, tanto em caráter primário quanto no secundário, por empresas que atuam no provimento de energia elétrica, gás e saneamento.

A UTCAL avaliou a faixa de 450 MHz como a melhor opção para redes privativas do setor elétrico e a Anatel já disse que este é o espectro que mais desperta o interesse para SLP.

Caráter primário ou secundário?

“Mas para receber outorga em caráter primário é caro”, lembrou Baigorri. “E no secundário não existe exclusividade e pode haver interferência”, completou. Ou seja, se uma empresa tem o direito de usar em caráter secundário, é possível que haja interferência, porém, a Anatel não tem obrigação de encontrar uma solução para este problema, as empresas vão precisar se entender. No caráter primário, sim, ela tem a obrigação de resolver a interferência, nem que seja ajustando a banda.

“Faz mais sentido ter um agente só que constrói a rede, com espectro em caráter primário, como um broker que presta serviço aos agentes do mercado. Aí, sim, as empresas conseguem se beneficiar de uma infraestrutura de larga escala e data lake centralizado”, explicou.

Inviável

Para Dimitri Wajsman, presidente da UTC América Latina, a sugestão de Baigorri não tem como acontecer na prática.

“O Brasil é um país continental. Isso existe em países menores e com um menor número de empresas, ou é possível fazer algo regionalizado. Só de distribuidoras o País tem cerca de 100. Concordo com ele que é uma maneira interessante de endereçar a questão e atender a todo o mercado, porque certamente há empresas que não vão conseguir ter uma rede própria. Mas é praticamente inviável que seja realizado. Como se faz isso? Cria-se uma empresa de telecomunicações que vai obrigatoriamente fornecer todos os serviços para as utilities?”, questiona.

“É claro que com uma alocação em caráter primário (a rede privativa) é garantida, mas a agência decidiu que só vai dar o espectro quando houver leilão. Não vai ter leilão nesta faixa”, lembrou Wajsman. “Até porque: quem vai pagar por isso? Seria o cliente do setor elétrico, que já paga uma tarifa cara. E a tarifa (do setor elétrico) é regulada, é diferente de telecom. A Anatel não regula a tarifa do serviço. São critérios diferentes. Eu, particularmente acredito que teremos sucesso nas instalações de redes privativas na faixa 450 MHz”, afirmou.

O presidente da UTCAL comentou que a Alemanha está tentando criar essa empresa única, mas outros países da Europa, não. “Tem que ter dinheiro, tem que ter vontade”, acrescentou.

Wajsman também questiona o “problema” com o uso do espectro secundário. Para ele, existe uma prioridade de uso dessa faixa para as utilities e a Anatel pode conceder outras faixas/canais para as outras empresas demandantes por redes privativas móveis. “A questão de interferência será resolvida pelas próprias empresas”.

Vinícius Caram, superintendente de outorgas e recursos à prestação da Anatel, fez coro à proposta de Baigorri. Em conversa com este noticiário, explicou que a faixa de 450 MHz é uma demanda antiga do setor de utilities e que essas empresas estão ansiosas para explorar os benefícios de uma rede privativa.

“Poderia haver um operador neutro para que pudessem dividir os custos e ofertar serviços de missão crítica, telemetria, supervisão. Na minha experiência de mercado e na superintendência, conversamos com o setor de utilities (em especial as menores) para o uso do Wi-Fi customizado e fibra. E quando falamos de setor de infraestrutura com vastidão de cobertura, esses entes do mercado não são tantos, ou seja, talvez seja nessa direção a fala do Dimitri. Mas alguém tem que começar e ver. Se tomar prejuízo, desliga”, comentou.