O Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) apresentou nesta quarta-feira, 13, o resumo da consulta pública sobre as plataformas digitais. De acordo com Renata Millei, coordenadora do CGI.br, o documento traz uma ampla abordagem na análise sobre os gatekeepers, ou seja, plataformas de empresas com grande concentração de mercado. Nos atos de mercado e serviços digitais da Europa, os gatekeepers são concentrados basicamente nas big techs e nas principais redes sociais. Mas a análise do CGI.br amplifica isso e aborda também setores que teriam grande poder de mercado.

“As redes sociais são um tipo de plataformas digitais, mas nós também procuramos trabalhar  com a ideia de plataformas de serviços, como plataformas de comércio eletrônico, entregas e intermediação de trabalho. Um conjunto de outros tipos de plataforma que também estão no guarda-chuva da nossa consulta”, disse.

Por sua vez, Henrique Faulhaber, conselheiro do CGI.br, explicou que não só temos gatekeepers brasileiros, mas existe uma disputa “como aquela que houve na Europa”, com os players nacionais e estrangeiros que queriam desenvolver seus negócios “nos mesmos ambientes das big techs e dos gatekeepers”.

Para Faulhaber, as plataformas e os desenvolvedores que criam ferramentas e serviços digitais “precisam se engajar” no debate sobre regulação de mercados digitais por conta da intensidade do desenvolvimento nacional”. O conselheiro do CGI.br disse que esse engajamento dialoga com a questão da “soberania nacional”.

‘Divergências conciliáveis’

Com 252 páginas obtidas de 1,4 mil contribuições apresentadas por 140 instituições entre empresas, associações e governo, o documento do CGI.br sintetiza temas como: quem regular; riscos e mitigação; e uma arquitetura de governança para as plataformas digitais. Mielli explicou que o documento mapeou consensos e dissensos, mas acredita que essas divergências são conciliáveis.

Um exemplo está na parte sobre quem regula e arquitetura de regulação, onde houve consenso sobre uma posição assimétrica. Os participantes ainda propuseram três frentes de regulação: autorregulação; sistema interligado com agências reguladoras; e um novo órgão regulador. Também teve dissonâncias sobre o papel da Anatel como parte dos proponentes considerando a agência como o regulador central das plataformas, mas outros acreditam que o regulador deve fazer parte de uma arquitetura de regulação com outros agentes.

Eixo dois, problemático

O segundo eixo abordou riscos e mitigação. Com 73% das contribuições, esse foi o eixo com mais atritos entre sociedade civil e representantes do setor privado. Bia Barbosa, coordenadora do CGI.br, apontou que os temas debatidos foram: infodemia; desinformação; letramento digital; coleta de dados pessoais; microssegmentação e perfilamento online; uso dos algoritmos como parte do modelo de negócio; e até o zero rating como risco à disseminação de desinformação uma vez que os usuários de planos de dados têm pouco acesso à Internet e não conseguem checar se aquele fato que receberam é verdadeiro ou não.

“Várias contribuições apontaram que as plataformas digitais se tornaram canais de disseminação de desinformação eleitoral. Grupos que violam direitos eleitorais e aproveitam-se da arquitetura das plataformas digitais e desse modelo de negócio para impactar e influenciar resultados eleitorais. Nesse caso específico, nós estamos falando de redes sociais com conteúdo postado por terceiros em períodos eleitorais”, exemplificou Barbosa.

Uma forma de combater a disseminação de informações falsas, que foi consenso entre os dois lados, foi a defesa do jornalismo profissional. Contudo, houve convergência na forma e no problema do jornalismo no século XXI. Para o terceiro setor, o jornalismo perdeu força com a saída de receita publicitária dos veículos noticiosos para as plataformas, além do poder que essas ferramentas têm sobre as informações. Mas os representantes das empresas contrapõem que não contribuíram para essa derrocada e podem contribuir para a disseminação de notícias em suas plataformas.

Privacidade e dados

Também houve discordância em relação à privacidade e dados pessoais, com a sociedade civil pedindo para que as plataformas sejam mais transparentes e coletem menos dados dos cidadãos. Mas as empresas dizem que são transparentes, os arcabouços legais são suficientes e que não compartilham mais por risco à competição e seus modelos de negócios.

Segundo Barbosa, quatro caminhos foram citados para endereçar a questão da transparência: a manutenção do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que responsabiliza as plataformas pelo conteúdo; as plataformas serem responsabilizadas por terem lucros com aquele conteúdo; outro caminho é o que está PL 2630, com novas responsabilidade de conteúdos específicos; e a avaliação e mitigação de riscos sistêmicos, algo inspirado na regulação europeia (DSA).

A coordenadora do CGI.br ressalta que esses quatro caminhos podem ser includentes.

Outros pontos

Para Rafael Evangelista, também coordenador do CGI.br, o documento trouxe debates acerca de: cibersegurança e fluxo de dados em questão de Estado; segurança nacional e dados de consumidores; desenvolvimento nacional e domínio tecnológico; autonomia de indivíduos e grupos minoritários.

“Há muita interrelação entre essas questões. Como a relação que as escolas do Brasil têm com essas plataformas (Big Techs)”, explicou o representante do Comitê Gestor.

Aqui, os setores privados não reconheceram riscos à soberania nacional, como a transferência internacional de dados, assim como falta de transferência tecnológica e alta dependência tecnológica do exterior. Afirmaram que há “maior segurança no armazenamento de dados” obtidos de brasileiros que usam plataformas do exterior.

Evangelista relatou ainda que um tema pouco abordado, mas que possui forte relação com a regulação das plataformas é a precarização do trabalho por plataformas de intermediação, assim como a discriminação de algoritmos.