Delivery Center

O encerramento das operações do Delivery Center abre espaço para outros operadores de logística entrarem em shoppings e centros comerciais do Brasil. De acordo com Guilherme Stuart, sócio da RGS Partners, os shoppings “devem abrir as portas” para outros operadores logísticos.

Stuart explica que a estratégia em usar as lojas como ponto de armazém pode ser fundamental, mas recorda que o preço do metro quadrado do shopping é muito mais alto que o de armazéns de logística, o que pode inviabilizar essa tática.

“O grande problema dessa estrutura em shoppings é que o metro quadrado é muito mais caro para você armazenar produtos quando comparado com uma dark store, que fica muitas vezes em uma rua secundária, em um local menos nobre, onde o preço do metro quadrado é muito melhor para fazer um armazenamento de última milha. Acho que a constatação dos shoppings foi que, dado o preço do metro quadrado deles, essa operação de servir como última milha precisa ser extremamente eficiente para que seja compensatória, porque além de pagar pelo espaço, servir como estoque não é o ideal”, diz o sócio da empresa de M&A.

Para Daniel Schnaider, CEO da Pointer by Powerfleet Brasil, o setor de última milha será puxado pelos novos consumidores (mais jovens) que estão acostumados com este tipo de compra e adaptados a outros modos de delivery, como armazenamentos regionais, que poderão estar até mesmo em postos de gasolina, ou armários (lockers) onde o cliente pode pegar o que já comprou.

“Precisamos olhar o delivery como um serviço de economia de tempo. A pessoa consegue usar o tempo dela melhor para ter mais qualidade de vida. É a disposição de pagar para não enfrentar filas, ficar em trânsito, ocupar espaços com muita gente dentro de uma loja. É o pagamento pelo conforto. É uma proposta de valor interessante para os consumidores e para as empresas”, prevê o CEO.

O executivo especializado em logística e IoT prevê ainda que sobrará nesta disputa players com capacidade de marketing digital para ganhar relevância ou players com poder de compra grande para conseguir ter em mãos uma boa parte do mercado.

“Quando falamos da questão dos deliveries, pensamos em como as lojas sobreviverão. Já vemos que a realidade são lugares criados apenas para entregar, não existe lugar para se sentar, por exemplo. E este mercado ainda pode passar por algumas disrupções, pois, quando pensamos em shoppings e lojas, conta-se com a inércia do lugar, com o ambiente, pessoas que passam nas ruas, empresas ao lado”, explica Schnaider. “Na questão do delivery, é necessário o ambiente digital. O marketing por redes sociais e anúncios na Internet são geradores de clientes, e as ações ficam muito mais complexas. Portanto, algumas coisas podem mudar. E, com certeza, com todos os aplicativos e o mundo próximo de nossa casa, sair para ir a uma loja é uma questão de entretenimento, pois vimos o quanto é difícil ficar em casa”, completa.

O que deu errado?

Stuart avalia que a estrutura do Delivery Center tinha um custo mais elevado para os shoppings e para as lojas do que o serviço de outros operadores logísticos de delivery; e, ao constatarem o possível dano, os investidores perceberam que seria difícil “reverter esse cenário” por conta da escala. “Seria pior para o cliente se o shopping insistisse em ter uma operação logística mais cara do que uma alternativa. Portanto, a decisão foi pensada no resultado para o cliente, para quem a operação não estava funcionando”, completa.

“De todo modo, talvez a experiência de outros competidores tenha mostrado que é possível executar o modelo de entregas sem toda essa estrutura ou ainda que não é tão simples manter acordos e conciliar estoques de tantos lojistas, cobrando uma taxa que precisava manter toda a estrutura e ainda dar lucro. Mas é difícil especular sem conhecer detalhes do caso concreto”, ponderou.

De forma similar, Schnaider lembrou que o Delivery Center tinha uma proposta de um ecossistema para que os shoppings não perdessem para o e-commerce. Mas, em sua visão “o shopping é um entretenimento, então, ficou difícil a startup mostrar quais eram suas vantagens”. Afirma ainda que o delivery é um jogo de gente grande. Quanto maior, mais estrutura para conseguir o alcance necessário.

Por sua vez, Renato Ramalho, CEO da KPTL, demonstrou espanto com o montante investido em uma operação que não estava dando retorno aos shoppings: “Fica a dúvida se este projeto poderia ter sido mais ‘testado’ antes deste grande volume de investimento. Apesar da participação dos shoppings, Delivery Center sofria forte e dura concorrência de outros aplicativos de entrega (iFood e Rappi, por exemplo) ou mesmo de outras plataformas e marketplaces (vide Mercado Livre e Amazon)”, afirma.

Por sua vez, Felipe Matos, presidente da Abstartups, elenca duas razões para o fim do Delivery Center: “Por um lado, as próprias lojas e diversos aplicativos competiam por soluções de delivery. Por outro, talvez com o arrefecimento da pandemia o nível de adesão ao serviço não tenha sido tão grande como esperado”, cita.

Matos afirma ainda que não há espólio ou tecnologia a ser dividido, pois “o diferencial do Delivery Center não era tecnológico, mas comercial e logístico”, sendo os minicentros de distribuição, os acordos com cada shopping e a integração com os lojistas os principais deles.

Fim de linha

O fim da operação do Delivery Center foi noticiado na última segunda-feira, 22, com a saída dos gestores dos principais shoppings do projeto. Os investidores brMalls e Multiplan, além do operador de logística, foram procurados por Mobile Time. Até o final desta reportagem, apenas a BR Malls respondeu.

A companhia informou que “a estratégia de transformação digital de seu negócio é baseada na omnicanalidade, relacionamento com os consumidores e monetização através de mídia digital”. E ressaltou que as “operações nos canais digitais brMalls, que são e-Shopping (marketplaces locais) e Compre pelo WhatsApp, continuarão a operar mesmo com a decisão de descontinuar as atividades do Delivery Center”.

Em nota enviada à CVM na última segunda-feira, 22, a Multiplan deu parecer similar à parceira no investimento, ao dizer que a decisão de descontinuar o Delivery Center “não compromete a estratégia de inovação digital da Multiplan” que se baseia em ciência de dados aplicada à jornada do consumidor, oferecendo benefícios para seus lojistas e clientes ao integrar os mundos físico e digital através do seu aplicativo Multi.

Na última parceria firmada em julho deste ano com a Gazit, o Delivery Center estava com presença em 14 estados com 60 hubs e em 32 cidades no Brasil. A estimativa da empresa era chegar ao total de 50 cidades até o final de 2021.