Na medida em que Google, Bing e outras ferramentas de pesquisa começam a incorporar respostas de inteligência artificial (IA) generativa nos seus resultados, surgem preocupações sobre o impacto disso no tráfego da web. Esta foi a provocação que o cientista cognitivo e futurista Diogo Cortiz, pesquisador do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), apresentou no seminário “IA generativa e a web no Brasil”, organizado em São Paulo, nesta quinta-feira, 18, pelo Ceweb.br (Centro de Estudos sobre Tecnologias Web do NIC.br).

O Google anunciou, no último dia 10, que vai apresentar respostas geradas por IA no seu mecanismo de busca, que vasculhará a web para fazer um resumo da pesquisa, apresentando os links nos quais se baseou. Ou seja, em alguns casos, não será necessário clicar nos tradicionais links azuis da página de resultados, já que a ferramenta dará a resposta, como o ChatGPT faria, por exemplo.

Cortiz acredita que a maioria das pessoas se darão por satisfeitas com a resposta dada pela IA dos mecanismos de busca, mesmo que ele indique links nos quais é possível saber mais sobre o assunto. Isso poderá acabar diminuindo o tráfego de sites gerado por meio da ferramenta de pesquisa. “Isso vai mudar drasticamente o tráfego da web, e as formas de remuneração”, afirmou.

Ele lembrou que já não é a primeira vez que isso ocorre. Há exemplos históricos disso. “Quando o Google começou a mostrar resultados do Yelp, um serviço de guia dos Estados Unidos, direto na página de busca, isso diminuiu drasticamente o tráfego do Yelp, quase quebrando o site”, exemplificou. A ferramenta iniciou uma batalha legal contra a big tech no mundo inteiro, pedindo para que fosse investigada por práticas anticompetitivas, inclusive no Brasil, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que arquivou o caso.

Lilian Ferreira, gerente geral de BI, dados e estratégia no UOL, ressaltou que esse desvio no tráfego na web vai afetar especialmente veículos jornalísticos, que dependem do acesso aos seus sites feitos por meio das ferramentas de busca para se sustentar financeiramente. Há anos o setor passa por uma crise de audiência, que poderá piorar com uso de IA generativa para, por exemplo, resumir notícias. “A IA vai ler por detrás do nosso paywall? Aí não vamos ter nem assinatura. Não vai ter tráfego, também não vai ter publicidade. Como vamos nos financiar?”, questionou.

Para ela, isso é perigoso por diversos motivos, entre eles a confiabilidade das fontes que a IA generativa vai usar. Essas ferramentas dependem de dados e informações existentes para gerar respostas e conteúdo. Se as fontes utilizadas não forem confiáveis ou tiverem vieses, há o risco de disseminação de informações incorretas ou tendenciosas.

Impactos cognitivos

Cortiz, por sua vez, também levantou um ponto sobre o futuro da interação na web e as consequências cognitivas, psicológicas e sociais que podem surgir com o avanço das IAs generativas. A possibilidade de automatizar avatares em redes sociais, por exemplo, levanta questões sobre como as pessoas vão interagir com entidades digitais, sem saber se são digitais ou reais.

“Eu acho que estamos entrando na era do influenciador digital que é realmente digital. A ideia da intimidade artificial que vai se criando nesse universo informatizado da web. E você começa a criar laços afetivos com perfis que você não sabe se são humanos ou não. Isso é um risco muito grande, pode levar inclusive a uma manipulação em uma escala que nunca vimos”, afirmou.

Para Tiago Torrent, professor de linguística da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), não há problema na tecnologia tomar feições humanas, seja na escrita ou em qualquer outro tipo de conteúdo gerado. O desafio é educar as pessoas para que elas entendam o contexto da ferramenta, que apesar de parecer convincente, pode dar informações erradas ou distorcidas.

“Eu acho que quando você está fazendo esse desenvolvimento [dessas ferramentas], é muito importante ter gente pensando em como fazer essa educação, à medida que a interação vai acontecendo. Porque as pessoas vão testar de qualquer maneira. Quais são as estratégias que podemos usar? Já falhamos muito em como usar isso em sistemas de conversação”, pontuou Heloisa Candello, pesquisadora e gerente do grupo de tecnologia responsável e centrado no ser humano da IBM Research.