Google e Apple foram multadas pelo Procon-SP por disponibilizarem em suas lojas de aplicativos o Faceapp, um app que desrespeitou o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O Google foi multado em R$ 9,965 milhões e a Apple em R$ 7,744 milhões, e a penalidade será aplicada “mediante procedimento administrativo”, de acordo com a nota emitida pela fundação vinculada à Secretaria da Justiça e Cidadania.

“Essa é uma ação importante porque Google e Apple dizem não se responsabilizarem pelo conteúdo que estão em suas plataformas por não terem como fiscalizar tudo. Ok, concordo, isso é complicado mesmo. Mas não depois de notificarmos as duas empresas e alertarmos que o Faceapp tinha contrato em inglês, conteúdo abusivo e prejudicial. Pedimos uma atitude deles, mas apenas traduziram o contrato. Nem colocar um aviso ostensivo do perigo do app foi feito. Por isso, multamos”, explicou o diretor executivo do Procon-SP, Fernando Cortez.

As notificações, segundo Cortez, aconteceram há 20 dias. As duas empresas enviaram suas respostas ao Procon-SP em que afirmam não se responsabilizarem pelos conteúdos de terceiros que estão disponíveis em suas lojas de aplicativos.

O Procon-SP também notificou o Faceapp, mas seu desenvolvedor não respondeu.

Os motivos

De acordo com o Procon-SP as empresas – responsáveis pelos dados essenciais dos produtos e serviços que ofertam em suas lojas de aplicativos – disponibilizaram informações em língua estrangeira. Para a fundação, isso impossibilita que “muitos consumidores tenham conhecimento do conteúdo e contraria a legislação, artigo 31 do CDC. A informação adequada, clara e em língua portuguesa é direito básico”.

O Procon-SP também apontou a existência de cláusulas abusivas, infringindo o artigo 51 do CDC, incisos I, VII e XV. Uma delas prevê o compartilhamento de dados do consumidor com empresas do mesmo grupo do aplicativo, mas também de terceiros e prestadoras de serviços, “violando deste modo o direito de não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais e infringindo também o Marco Civil da Internet (artigo 7º, VII, Lei 12.965/14).”

Uma outra cláusula prevê que os dados do consumidor podem ser enviados para outros países que não tenham as mesmas leis de proteção de dados que as do país de origem, o que implica em renúncia de direitos dos consumidores.

O Procon-SP também julgou falha a cláusula sobre os conflitos entre usuários e a empresa, que devem ser resolvidos no condado de Santa Clara, na Califórnia, e não no país do usuário, “determinando a utilização compulsória de arbitragem.”

As empresas estabelecem uma cláusula que limita e isenta suas responsabilidades por problema de qualquer natureza do produto ou serviço disponibilizado.

A defesa

Em comunicado, a Google defendeu-se dizendo que sua loja de aplicativos é aberta e na qual não apenas a empresa, mas também terceiros “podem disponibilizar aplicativos e jogos, que podem ser baixados por usuários para serem utilizados em seus celulares.” Explicou também que tanto o Marco Civil quanto o próprio Código de Defesa do Consumidor “dispõem que as lojas virtuais não devem ser responsabilizadas pelas práticas e políticas de aplicativos terceiros.” A empresa vai recorrer da multa.

A responsabilidade é de quem?

Para a advogada e líder de projetos do Data Privacy Brasil Mariana Rielli, o Procon-SP acertou nos motivos, mas errou nos alvos. A advogada entende que o órgão não poderia multar Google e Apple. “Tanto o Marco Civil da Internet, no artigo 19, quanto o próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 14, parágrafo 3o, excluem a responsabilidade do fornecedor quando tiver culpa exclusiva de terceiros. Nesse caso, a culpa por essa violação à privacidade é do aplicativo”, afirmou.

Ainda de acordo com Rielli, o Faceapp é abusivo em sua política de privacidade e termos de uso. Por outro lado, ir atrás de um desenvolvedor russo é praticamente impossível. “O importante é que essa história com o Faceapp pode nos ajudar a pensar: por que ele existe?; por que ele pega dados?; e qual sua finalidade? O consumidor brasileiro precisa começar a fazer um processo de conscientização, precisa ficar mais atento com os apps que baixa e usa”, comenta.

Próximos passos

De acordo com Cortez, o Procon-SP vai esperar as duas empresas responderem. Apple e Google podem recorrer e, caso nada seja feito, “o próximo passo é suspender as companhias administrativamente, ou seja, podemos tirar as lojas de aplicativos do ar”, afirmou. “Agimos dentro de uma estratégia operacional. Agora, vamos aguardar para ver o desenrolar das coisas. Se não tiver jeito, chegaremos ao extremo, que seria tirar do ar. O que queremos é que eles consertem os problemas e avisem dos perigos do Faceapp. Mas ainda não chegamos a esse ponto”.

Contudo, o advogado especializado em direito digital Rafael Pellon, do escritório Pellon de Lima, argumenta que as lojas só podem ser tiradas do ar por decisão judicial, não administrativa. “Observe-se que o artigo 12 do Marco Civil prevê multas e até a suspensão das atividades de coleta e armazenamento de dados no Brasil, mas cabe ao Judiciário adotar estas penalidades. O Marco Civil não permitiu a suspensão de atividades online apenas pela via administrativa”, explica.

Relembre

Em meados de julho, o Faceapp despertou o interesse do público mundial – inclusive de milhões de brasileiros – ao oferecer um filtro de envelhecimento de fotos. Porém, o app, que usa inteligência artificial, também despertou a preocupação não apenas dos usuários, mas do Procon-SP por pedir dados de seus usuários, além de poder vendê-los a terceiros e armazená-los em outro país sem uma legislação sobre o uso de dados pessoais.

O senador norte-americano Chuck Schumer enviou uma carta ao FBI e ao Federal Trade Commission (FTC), demonstrando preocupação a respeito do Faceapp, que já tinha coletado 150 milhões de rostos de todos os cantos do mundo.

No fim de julho, o Faceapp respondeu a um questionamento do Mobile Time sobre a possível venda de dados coletados. Em comunicado, a empresa informou que as imagens ficam armazenadas em seus servidores por 48 horas e depois são apagadas.

Confira o comunicado do Google na íntegra:

“Seguindo a filosofia do sistema operacional Android, o Google Play é uma loja virtual aberta na qual o próprio Google e terceiros podem disponibilizar aplicativos e jogos, que podem ser baixados por usuários para serem utilizados em seus celulares. O Marco Civil da Internet e o próprio Código de Defesa do Consumidor dispõem que as lojas virtuais não devem ser responsabilizadas pelas práticas e políticas de aplicativos de terceiros, por isso, tomaremos as medidas necessárias para questionar a multa imposta pelo Procon.”

A Apple não quis comentar a decisão do Procon-SP.