A Anatel demorou para iniciar as conversas com os fabricantes de celulares e com Google e Apple para que dispositivos móveis sejam compatíveis com o Stir/Shaken. Carlos Baigorri, presidente da agência reguladora, reconhece que foi um “lapso” e só foram se debruçar na relação entre a solução de chamada autenticada e celulares “já aos 45 do segundo tempo”. Agora, a Anatel está correndo atrás para compensar o tempo perdido.

Baigorri conversou com Mobile Time durante o UCTAL, nesta quarta-feira, 10, no Rio de Janeiro, sobre D2D, faixa de 700 MHz, Stir/Shaken e regulação das plataformas.

Confira a entrevista:

Mobile Time – Como está o andamento do Stir/Shaken?

Carlos Baigorri – Estamos atuando junto aos fabricantes e às soluções de sistema operacional para garantir que o Stir/Shaken funcione. Creio que foi até um lapso de planejamento porque a gente sempre focou na rede, para fazer a rede funcionar, e só fomos nos atentar para o device já aos 45 do segundo tempo. Então, agora a gente está correndo atrás para cobrar engajamento dos fabricantes. Com os fabricantes, temos uma boa relação, até porque existe uma relação institucional com Anatel em torno de certificação e homologação de dispositivos. Eles têm buscado a Anatel para trabalharmos juntos no combate à venda de equipamentos não certificados nos marketplaces – então temos uma relação fluida e uma relação ganha-ganha.

Já com os sistemas operacionais, não. A gente não tem uma relação constante. É difícil até encontrarmos um interlocutor para pedir, mas estamos dando os nossos pulos para fazer isso. Mas isso, para mim, e mudando um pouco de assunto, mostra como esse ambiente de telecomunicações com digital é uma fronteira que cada vez mais não faz sentido. Como se telecom e o sistema operacional fossem uma coisa e todas as aplicações fossem outras. É mais um elemento que mostra como esse modelo precisa ser repensado e ressignificado.

E isso tem a ver com o fato de que a Anatel está empenhada em ser o regulador das plataformas digitais, correto? E a Anatel ainda está empenhada em entender como se dará a inteligência artificial no setor de telecom – ao promover consulta pública sobre o tema e assinar o acordo com a Unesco. A agência acredita que será esse órgão regulador das big techs? O que acha de ser o regulador de IA?

A posição (de ser um órgão regulador das plataformas digitais) não é minha, mas da agência. É importante deixar isso claro. É uma posição institucional da agência e, como presidente, vocalizo ela. Nossa visão estratégica, que está no nosso planejamento estratégico 2023-2027 surge a partir de uma constatação de que as fronteiras entre telecom e digital são cada vez menos relevantes e estão desaparecendo. Pela perspectiva do consumidor, essa fronteira já desapareceu: as pessoas desligam a sua TV por assinatura para contratar streaming; as pessoas param de mandar SMS para usar o WhatsApp; param de fazer chamadas na telefonia para fazer no WhatsApp. As mídias tradicionais estão desaparecendo em relação às digitais.

E essa mudança de contexto exige essa mudança da abordagem de como o estado lida com esses setores. Defendemos esse repensar da abordagem do estado e entendemos que a Anatel é a instituição do estado brasileiro mais preparada para lidar com os desafios do ecossistema digital. É só você ver a realidade fática. Quando você tem um problema, como tivemos nas últimas eleições sobre desinformação e ataques à democracia, quem foi chamada pela Justiça para tirar conteúdo do ar e para tomar medidas de enforcement foi a Anatel.

Essas questões do ecossistema digital, querendo ou não, estão diretamente relacionadas com a gente. O setor de telecomunicações stricto sensu está se espalhando por todos os setores porque o digital está em tudo hoje. Defendemos o repensar do papel do estado. E acreditamos – graças aos 25 anos de existência e do corpo técnico qualificado com engenheiros, advogados, cientistas de dados – que estamos nos preparando para esses novos desafios que o digital traz para a sociedade brasileira como um todo. E a gente acredita que nós somos a instituição mais preparada e com melhores condições de atender os objetivos da sociedade.

E no caso da inteligência artificial?

Essa é uma decisão que cabe ao Congresso Nacional. Agora, claramente me parece bastante acertada a posição (de que cada setor regule a IA). Ressalto apenas que temos condição técnica para monitorar a aplicação de inteligência artificial no setor de telecomunicações. Criar um superórgão que vai ter uma visão transversal e atuar em todas as áreas da economia não me parece que vá funcionar.

Há uma grande discussão sobre a regulação das plataformas, a revisão do artigo 19 do Marco Civil da Internet, as confusões deflagradas por Elon Musk. Qual o posicionamento da Anatel? A agência está pronta para derrubar o X (ex-Twitter)?

A Anatel, desde as últimas eleições, participa junto com a Justiça Eleitoral no combate à desinformação e em defesa da democracia. Estamos entre os primeiros órgãos a ser convidados para compor o Ciedde (Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia). Atuamos de forma integrada com o sistema eleitoral e estamos preparados para cumprir e fazer valer as decisões que venham a ser tomadas. É o que posso dizer.

Qual o destino da faixa de 700 MHz?

A área está avaliando a possibilidade, nos termos do edital (do leilão de 5G), de chamar o segundo e o terceiro colocados caso tenham interesse. Temos que avaliar, do ponto de vista jurídico e do edital, se é possível fazer isso. Se acharmos que pode, a gente vai consultar o TCU. Enquanto isso acontece – de chamar os demais colocados ou fazer um novo leilão – a gente está permitindo o uso secundário prioritariamente pelas regionais que ganharam os lotes regionais no leilão do 5G.

Elas apresentaram um recurso para ampliar o prazo. Me parece bem óbvio que elas estão interessadas. Mas vamos julgar o recurso e avaliar para ver se cabe algum ajuste na decisão que for tomada.

Elas estão interessadas mesmo no espectro secundário?

Sim, estão, mesmo no espectro secundário.

O arcabouço da conexão D2D sai realmente no fim do ano?

Começamos com o sandbox regulatório – retiramos obrigações regulatórias – para avaliar os impactos que aquilo pode ter para a inovação e se vale a pena retirar em definitivo. O ambiente regulatório experimental pode ser prorrogado. Neste momento, é o mercado que tem que nos dar uma resposta, trazer os insights para a gente reavaliar o cenário regulatório.

O que esperamos é que as operadoras satelitais e terrestres utilizem-se desse ambiente experimental e façam testes, verifiquem o que funciona e o que não funciona e o que precisa mudar – para que a inovação no setor não fique restrita em razão de amarras regulatórias.

Os últimos 25 anos de política pública do setor das telecomunicações têm sido levar serviço para quem não tem. Esse desafio se supera em grande medida com uma solução direct-to-device.

Mas é uma solução cara ainda, não?

Acho que depende muito de como for feita essa solução. Existem dois modelos: um com conexão direta com o satélite, mas não usa a rede terrestre com intermediário – e esse me parece caro e com escala não muito boa. Mas a gente imaginar como complementação das redes móveis, se houver um acordo de parceria entre as redes móveis terrestres e as satelitais, pode ser que o custo seja diluído.

É tudo muito experimental e inovador, vai depender dos modelos de negócio, dos custos envolvidos. Alguns anos atrás, quando viajávamos para o exterior, tínhamos que procurar pelo Wi-Fi. Atualmente, quase todos os pacotes têm dados ilimitados no roaming. A escala ganhou uma dimensão tal que isso deixou de ser um custo elevado. Pode ser que algo muito parecido como o caso do roaming seja alcançado com o D2D. No nosso cenário ideal, seria algo imperceptível para o consumidor. Ele começaria numa rede terrestre e passa para uma rede de satélite sem perceber, e a experiência seria a mesma. A questão de custos continuaria igual. É claro, até chegar nisso, precisamos passar por muitos desafios. Mas seria conectividade plena em todo o País.

Foto: Carlos Baigorri, presidente da Anatel durante sua apresentação no UTCAL, evento que aconteceu no Rio de Janeiro. Crédito: Isabel Butcher/Mobile Time