Ilustração: La Mandarina Dibujos/Mobile Time

Entre as muitas aplicações vistas como propulsoras do 5G estão os jogos eletrônicos. De acordo com uma pesquisa feita pela Amdocs nos Estados Unidos e América Latina com 1,3 mil pessoas em 2022, a quinta geração das redes móveis é vista com bons olhos pelos gamers, uma vez que esperam:

  • jogar em qualquer dispositivo (70%);
  • jogar em realidade aumentada (66%);
  • acessar experiências interativas no metaverso (59%);
  • encontrar novas maneiras de jogar (53%).

“Aparentemente, todos os gamers estão esperando grandes benefícios com o 5G. Com isso, eles poderão usufruir do cloud gaming no metrô, nas escolas, nas ruas e outros lugares. Acreditamos que isso é importante para América Latina, pois estamos vendo vários países lançando redes 5G. E, com isso, os jogadores da região esperam por mais qualidades nos jogos”, diz José Garcés Rosas, especialista em business intelligence para América Latina e Caribe na Amdocs.

Vantagens

Edvaldo Santos, vice-presidente da Ericsson (crédito: divulgação/Erisson)

Um relatório recente da Ericsson revelou que 58% dos usuários brasileiros que migram do 4G para o 5G passam a usar mais de três serviços digitais e imersivos por dia. Além de streaming de vídeo, assistir a concertos online e ouvir música em alta qualidade, outros serviços digitais se destacam. São eles:

  • jogar com outros players, um aumento de 11 pontos percentuais, de 21% no 4G para 32% no 5G;
  • jogar via plataforma de cloud gaming, um salto de 18 p.p.s, de 9% para 27%;
  • assistir a streaming de eSports, incremento de 11 p.p.s, de 13% para 24%;
  • usar apps de realidade aumentada, alta de 7 p.p.s, de 10% para 17%.

Edvaldo Santos, vice-presidente de pesquisa, desenvolvimento e inovação na Ericsson, acredita no potencial dos games no 5G, em especial por sua alta capacidade de rede com tráfego em gigabits por segundo, pela redução da carga processada nos dispositivos, mas principalmente por conta da baixa latência.

A baixa latência é o tempo que leva entre o comando que o gamer dá para ele trafegar na rede e transformar a decisão em um dado. Com isso, a diferença ‘entre morrer e matar’ em um jogo é crucial. E quando você tem a rede 5G a oferecer as características especiais que ela tem, uma boa rede se torna um meio para vitórias”, explica.

Tecnologias na ponta

Imagem de divulgação do Enxada Host, a operação de servidores games da ENX (crédito: Site/Enxada)

Para Bruno Matosinhos, CEO e fundador da ENX, uma ISP e um servidor de games, a rede de quinta geração vai permitir o cloud e o streaming gaming. Ou seja, os jogos que estão em uma nuvem, poderão ser reproduzidos em qualquer tela, algo que democratizará o acesso das pessoas aos jogos, uma vez que alguns insumos para gamers, como com as placas de vídeo, podem custar R$ 10 mil. Na visão do fundador da empresa mineira, o cloud gaming acelerará o desenvolvimento dos jogos eletrônicos para dispositivos móveis.

Os jogos móveis poderiam ser melhores, mas há desafios de investimento e de potência gráfica. Com o 5G, os criadores vão poder investir em gráficos mais potentes no mobile. E com isso, vai aumentar o cenário competitivo de jogos mobile. A latência vai trazer vantagens enormes para esse contexto e ainda pode baratear o custo dos games”, explica.

Segundo Yamin Rodrigues, game producer no Sidia Instituto de Tecnologia, a chegada do 5G e sua latência ajudará os estúdios e criadores de games a melhorar o tempo de resposta, ao ponto de ter jogos mais fluidos para o consumidor. A executiva também vê a possibilidade da dinâmica de mercado mudar com mais pessoas produzindo mais jogos com uma produção mais voltada aos jogos em nuvem, o cloud gaming.

“Se desenvolvermos um jogo, hoje precisamos fazer um para cada plataforma. Isso é muito complexo, ainda mais quando falamos de estúdios indies, de três a quatro pessoas. Mas quando falamos em desenvolver para Cloud, distribuir isso democraticamente, isso é bom para o gamer e para o usuário”, disse. “No início ainda veremos ajustes nos processos (de publicação de jogos), mas acredito que será mais acessível e vai melhorar o mercado como um todo. Se fizermos isso, toda a cadeia cresce: hardware, software, operadoras e consumidor”, completa.

Reduzindo as expectativas

Rosas, da Amdocs, lembra ainda que algumas vezes os provedores acreditam que “podem economizar e entregar um jogo com baixa qualidade”. Mas, neste cenário, o consumidor “espera o melhor do melhor”. Vale dizer que na mesma pesquisa da Amdocs com gamers norte e latino-americanos, 3% acreditam que o 5G pouco mudará como jogam.

Para o executivo, o cenário na América Latina ainda não está no mesmo nível de oferta e demanda que os países da América do Norte. Um exemplo foi quando a Amazon apresentou seu sistema de jogos em nuvem, o Luna, a companhia alertava ao consumidor norte-americano que um game consumia 10 GB da rede no ato da instalação, o que seria inviabilizado para consumidores com os atuais planos de rede móvel na América Latina.

Dito isso, o executivo de OSS (Operation Support System) e OBS (Billing Support System) acredita que a oferta de serviços de baixa qualidade começará a ser revolvida pelas operadoras latino-americanas ainda em 2023. Para o especialista, a demanda dos gamers vai puxar esta oferta, mas também pela chegada na região de empresas especializadas em tecnologias imersivas (metaverso), e apostas de empresas como Sony e Microsoft em cloud gaming mobile.

Onde estamos?

Sede do Sidia Amazon Lab em Manaus (crédito: Site Sidia)

Rodrigues, do Sidia, acredita que este é um período de mudanças. Assim como ocorreu do 3G para o 4G – quando a rede evoluiu do consumo de músicas para o de jogos móveis mais evoluídos, e pesados, nas lojas de apps. Agora, a executiva espera que essa evolução caminhe para soluções como o cloud gaming, mas ainda é preciso ter noção desta evolução: “Existe uma dificuldade porque alguns conceitos chegam antes de a coisa realmente funcionar. É o caso do 5G, do metaverso e do cloud gaming. Nós vemos a vinda deles como forma de acelerar experiências imersivas de velocidade, gráficos e para gamificação”, explica.

“Isso tudo é uma fase de transição. É uma questão de estudo de como preparar os servidores para o cloud gaming. Nos jogos indies dependerá de uma adaptação técnica para termos produtos disponíveis para validar o que funciona ou não. O 3G trouxe música, o 4G trouxe gaming, o 5G traz o cloud gaming. Mas é preciso fazer um estudo para entender como armazenar. Isso é algo gradativo. Mas é bem importante que aconteça isso”, completa a produtora de jogos.

Um exemplo de avanço em gráficos foi o lançamento recente do Snapdragon 8 gen 2 da Qualcomm, que recebeu melhorias em desenvolvimento de personagens 3D com o motor gráfico Unreal Engine 5, além de ser o primeiro chipset com a tecnologia Ray Tracing, que melhora a iluminação em ambientes com gráficos 3D. Ziad Asghar, vice-presidente de gerenciamento de produto da Qualcomm, explica que adicionando outras camadas como áudio espacial – para trazer um melhor som ambiente – e câmera de alta qualidade ajudam a criar objetos e avatares. Com isso, o mobile caminha para soluções mais imersivas, como realidade aumentada e mista.

“O próximo passo é fazer algo em especial para AR. Também faremos mais em realidade virtual”, diz o VP da Qualcomm. Temos uma grande vantagem, pois as pessoas podem ver nossas tecnologias de câmera indo para os gráficos”, relata.

Além do Snapdragon 8 Gen 2, a Qualcomm apresentou chips de áudio espacial para equipamentos de som, um modelo de referência para realidade aumentada. E sua parceira Niantic anunciou que está desenvolvendo um óculos de realidade aumentada. Com as tecnologias que Asghar e outros executivos apresentaram durante o evento no final de 2022, a Qualcomm começa a mirar em trazer mais games triple A dos PCs para o mobile.

O que precisa evoluir?

Ziad Asghar, VP de gerenciamento de produto na Qualcomm (crédito: Henrique Medeiros/Mobile Time)

Por sua vez, Yasmin, relatou que a latência 5G pode ajudar a resolver a questão dos gráficos pesados em jogos nas redes móveis, com capacidade de chegar no mesmo patamar das grandes franquias que estão em consoles e PCs. Ela explica que há duas categorias de jogos, aqueles com poucos polígonos e gráficos 3D pobres (low-poly) que são mais utilizados em games mobile, e os games com grande quantidade de polígonos que deixam os jogos mais realistas (high-poly).

“Acreditamos que o bom jogo é aquele que traz experiência completa. Hoje, perdemos muito tempo ‘segurando’ os recursos. Estamos sempre balanceando tudo para que não dê frustração na pessoa jogadora. Trabalhamos no limite, considerando as limitações. É o caso da latência. Com o 5G, o low-poly pode evoluir e não será tanto um problema do time de arte”, conta.

Outro ponto que o produtor de jogos ressalta é a necessidade de evoluir na oferta de dispositivos móveis. Atualmente, quando se produz jogos, a desenvolvedora e sua equipe precisam limitar o target device, por exemplo, deixar de mirar em usuários de smartphones high-end para focar em devices intermediários e de entrada.

Matosinhos, da ENX, lista como problemas para o desenvolvimento do 5G em games a estrutura de rede com a necessidade de muitas antenas 5G, algo que não é tão caro para as grandes operadoras e redes neutras, mas será caro para as ISPs que queiram avançar neste segmento. Outro ponto citado pelo executivo da pequena provedora é a regulação e a forma de venda apenas por velocidade que, em sua visão, não é a mais correta e impede novos modelos de negócios, como venda por latência de rede e mesmo um plano livre.

“Nós queríamos oferecer um plano ilimitado, banda livre. Você utiliza o que você precisa. Mas isso esbarra na regulação”, afirmou. “Acho difícil avançarmos nisso. No Brasil, as três operadoras móveis também entregam serviço de banda larga. Não faz muito sentido para elas entregarem um serviço (móvel) super barato. Canibaliza a fibra. E hoje somos um dos países mais fibrados do mundo. Isso reduz muito a dependência do mobile. Por isso é importante ver isso: a necessidade de Internet móvel não ser tão importante (para as operadoras) apesar de ser importante”, avalia.

Diálogos

Ainda em infraestrutura, Santos, da Ericsson, acredita que games disputarão com outras indústrias que também querem chegar forte no 5G. Com isso, o VP da fornecedora prevê que será preciso ter mais conversas entre os players da indústria de games, mas também da vontade dos consumidores deste setor para alavancar investimentos que tragam potencial da tecnologia.

“Vai depender mais do apetite dos gamers e da indústria instalada no Brasil, porque quando a gente pensa em casos de uso para o 5G, evidentemente, os games serão uma parcela bastante relevante. Mas vemos também outras funcionalidades. Por exemplo: a indústria 4.0; a saúde; o agronegócio. Todas essas aplicações farão uso pleno ou parcial das capacidades de rede seguramente. Sem esquecer de nós mesmos, como indústria telecomunicações”, explica. “Então, o 5G é uma realidade. Mas é uma realidade que está à disposição para diferentes indústrias.”

Matosinhos também crê que é preciso de diálogo entre operadoras, desenvolvedores e plataformas de games. Em especial, ele cita que a chegada dos serviços de cloud gaming precisam de acordos e quem sabe até caminhar para um zero rating em gaming, do mesmo modo que existe com OTTs de vídeo, redes sociais e navegação.