Quem se assustou com o volume de notícias falsas que circularam pelos celulares dos brasileiros nas últimas eleições pode se preparar para o pior no pleito presidencial de 2022. Especialistas preveem um verdadeiro tsunami de Fake News, que deverão circular sem limites, principalmente por aplicativos de mensagens, como WhatsApp e Telegram.

“Em 2022 será muito pior do que 2018. De lá para cá, apesar de tentativas, não houve nenhuma iniciativa tecnológica ou legislativa para combate eficaz da disseminação das notícias falsas. Há um total descontrole na Internet e há candidatos de má fé que vão se aproveitar disso”, avalia Luiz Augusto D’Urso, advogado especialista em crimes virtuais, professor de direito digital da FGV, e presidente da Comissão Nacional de Cibercrimes da Abracrim (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas). Segundo ele, a principal preocupação são os aplicativos de mensagens. “As pessoas consomem mais informações por mobile – então teremos as Eleições das Fake News via Mobile. No WhatsApp, é onde a informação permanece mais oculta e a sociedade não tem ideia do estrago que pode fazer”, aponta.

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, mencionou em Plenário, no início do mês, uma pesquisa do Senado Federal que revelou que, hoje, 79% das pessoas se informam pelo WhatsApp; 50%, pela televisão; e 49%, pelo YouTube. “E a disseminação de notícias deliberadamente falsas é um problema para a democracia”, disse.

Eleições mobile

De acordo com pesquisas divulgadas pelo CETIC.br e IDEC, relativas a 2020, grande parte das classes C (58%), D e E (90%) acessam a Internet exclusivamente por dispositivos móveis, com planos pré-pagos, com franquias de dados que, na média, não ultrapassam 2 GB por mês. Depois de esgotados esses dados, só são capazes de acessar Facebook e WhatsApp, o que reduz significativamente a possibilidade de checagem em outros sites a veracidade das informações. “Várias pesquisas têm demonstrado que há um efeito cruzado entre essas plataformas para a desinformação; vídeos e matérias de direita principalmente são postados no YouTube e Facebook e depois distribuídos no WhatsApp, direcionando os conteúdos para grupos específicos de eleitores, formados de acordo com trabalho de perfilhamento, com uso abusivo de dados pessoais obtidos nas próprias plataformas”, observa Flavia Lefèvre, advogada especializada em direito digital e do consumidor, representante do coletivo Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede.

Com este alvo em mente, a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e o TSE firmaram uma parceria no início do mês passado, e pretendem lançar uma cartilha sobre a LGPD para as eleições. O documento vai trazer informações sobre os princípios e conceitos da legislação no âmbito eleitoral e tem como objetivo educar candidatos, coligações, e partidos políticos dentro do contexto da lei.

Esforços

Tanto as plataformas e aplicativos como a própria Justiça Eleitoral vêm apresentando propostas ao longo dos anos para mitigar a questão da desinformação – entretanto, para especialistas, o esforço não seria suficiente para o que está por vir.

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou, em plenário, em outubro deste ano, uma tese para condenar, a partir das eleições de 2022, os candidatos cujas campanhas dispararem, de forma massiva por meio de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, conteúdos com informações mentirosas contra seus rivais na disputa eleitoral. Foram fixados cinco parâmetros para aferir a gravidade da conduta: 1) teor das mensagens, isto é, se contêm propaganda negativa ou informações “efetivamente inverídicas”; 2) repercussão das mensagens, ou seja, se contribuíram para influenciar a escolha dos eleitores; 3) alcance das mensagens no eleitorado; 4) grau de participação dos candidatos nos disparos; e 5) financiamento do serviço por parte de empresas. A tese foi fixada durante o julgamento da chapa Bolsonaro-Mourão, nas eleições de 2018, acusados de utilizar empresas para disparo em massa de Fake News.

O problema desta tese, dizem advogados, é conseguir obter provas para a condenação dos acusados. A ação da chapa presidencial, por exemplo, foi considerada improcedente no tribunal justamente por falta de provas – apesar da maioria dos ministros, incluindo o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, declararem ter ciência que o crime aconteceu.

“Nós já sabemos como são os mecanismos, nós já sabemos agora quais provas rápidas [podem ser obtidas], em quanto tempo e como devem ser obtidas e não vamos admitir que essas milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições, as instituições democráticas a partir de financiamentos espúrios não declarados, a partir de interesses econômicos também não declarados e que estão também sendo investigados. Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado, e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentarem contra as eleições e a democracia no Brasil”, rebateu, em Plenário, o ministro Alexandre de Moraes – que será o presidente do TSE em 2022.

Apesar das ameaças do ministro e dos disparos em massa serem proibidos, entretanto, eles seguem acontecendo – e ninguém até agora foi punido simplesmente porque não há uma sanção para este tipo de atividade, como destaca D’Urso.

TSE

Em agosto deste ano, o TSE tornou permanente o Programa de Enfrentamento à Desinformação na Justiça Eleitoral. O projeto foi instituído pela primeira vez em agosto de 2019, após a experiência de ataques sofridos durante a campanha de 2018. “A ideia é continuar combatendo a desinformação com informação de qualidade sobre o processo eleitoral, trabalhando em rede com os parceiros e todos os TREs. A parceria entre as 70 instituições que integram atualmente o programa se tornou um dos principais pilares do combate à desinformação, uma vez que contrapõe eventuais notícias falsas com notícias verdadeiras apuradas e checadas com o auxílio da imprensa profissional”, informa o tribunal, para Mobile Time.

Em 2020, o WhatsApp estava entre os parceiros do TSE no Programa de Enfrentamento à Desinformação e implementou um canal exclusivo de denúncias de disparos em massa. Mais de 360 mil contas foram banidas pela empresa no Brasil de setembro a novembro daquele ano.

Na sexta-feira, 10, o Facebook e o Instagram anunciaram mais uma parceria com o tribunal: passaram a divulgar rótulos em seus posts sobre eleições que levam à página da Justiça Eleitoral. Pelo grande volume de Fake News, o Brasil é um dos primeiros países em que a Meta, holding dos aplicativos, lança esses rótulos. A empresa afirma que já removeu mais de 140 mil peças de conteúdo do Facebook e do Instagram no País pela violação de políticas de interferência na votação antes do primeiro turno da eleição.

O TSE adiantou ainda para esta reportagem que pretende neste ano lançar uma página de status de serviço onde será possível acompanhar em tempo real a estabilidade de seus sistemas. “O foco do programa é agir em rede para rapidamente promover respostas. E há diversos tipos de respostas para cada tipo de conteúdo e pode haver encaminhamento em parceria com as plataformas, com Ministério Público, Polícia Federal, ou mesmo na forma de mais capacitação ou com as agências de checagem”, acrescenta o Tribunal.

“As iniciativas do TSE são louváveis e certamente poderão contribuir para reduzir e reprimir durante o processo eleitoral as campanhas ilegais de desinformação. Entretanto, sabemos que este enfrentamento demanda ações em diversas frentes; desde investigar organizações políticas e seus financiamentos, até conseguir mais transparência das práticas algorítmicas adotadas pelas plataformas de rede social, mensageria e mecanismos de busca, que afetam também a proteção de dados pessoais”, lembra Lefèvre.

WhatsApp

Em abril de 2020, o WhatsApp passou a limitar o encaminhamento de mensagens a um contato por vez, no caso daquelas encaminhadas com frequência, o que de fato diminuiu a proliferação de mensagens falsas pelo canal. “A iniciativa foi positiva, sim. O sujeito que compartilha Fake News é preguiçoso, e não vai ficar mandando mensagem uma por uma. O problema é que tem listas e grupos – ou seja, não resolve o problema”, aponta D’Urso.

O WhatsApp lançou ainda no ano passado um chatbot para ajudar na circulação de dados oficiais sobre o processo eleitoral e a votação. O app tem também um canal de comunicação específico com o TSE para denunciar contas suspeitas de realizar disparos em massa, o que não é permitido nos Termos de Serviço do aplicativo nem pela legislação eleitoral.

Contudo, os disseminadores, pelo que tudo indica, estão migrando passo a passo para o Telegram, que permite o compartilhamento ilimitado, sem regras, e que vem aumentando seu número de usuários de forma vertiginosa. De acordo com a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box, de setembro, sobre mensageria móvel, o aplicativo está instalado em mais da metade dos smartphones brasileiros: 53%. Há um ano, já estava em 35% dos smartphones, ou seja, ganhou 18 pontos percentuais em 12 meses. E,0 seis meses atrás, estava presente em 45% dos aparelhos.

O que vem por aí

Especialistas apontam que, antes de qualquer coisa, o País precisa aprovar e colocar em prática uma lei específica sobre o assunto. É o que trata o PL 2630, conhecido como “PL das Fake News”. Apesar de o texto já ter sido aprovado pelo grupo de trabalho na Câmara, ainda aguarda votação no Plenário. Segundo fontes ligadas ao relator, deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), existe a possibilidade de a votação acontecer ainda neste ano – mas ainda depende de sanção presidencial. As chances são poucas de a lei estar em vigor até as eleições do ano que vem.

A matéria transforma em crime com pena de prisão de 1 a 3 anos, e multa, disseminar mensagens por meio de robôs ou recursos não fornecidos pelo aplicativo original com “fato que se sabe inverídico” e “passíveis de sanção criminal que causem dano à integridade física das pessoas ou sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.

“O exercício contra a desinformação não deve ser só do TSE. É preciso construir e aprovar esta lei, que traz uma proteção para o usuário e uma perspectiva de punição. E a sociedade deve se empenhar nisso também”, afirma a advogada Margareth Kang, sócia do PDK Advogados.

D’Urso completa: “A maior lição que as Fake News nos deixaram foi que a desinformação não tem partido: todos são prejudicados. Seja de direita, centro ou esquerda. Por isso precisa haver uma união para este combate. E antes que alguém diga: espalhar notícia falsa definitivamente não significa liberdade de expressão”.